Cigarros, gritos e… zzzz
Por Vitor Velloso
Durante a Mostra de Cinema de Tiradentes 2019
A Mostra de Tiradentes deste ano está debatendo não apenas as diversidades e os corpos, mas também as culturas que estão ameaçadas pelo novo/velho momento político brasileiro, tais como indígenas, religiões de matriz africana e porque não… punks e presidiários? Com a mudança de perspectiva na política internacional, o movimento punk acabou se diluindo em diversas outras vertentes, porém, a proposta de Arthur Lins não é fazer uma ode ao estilo, ou era?
A narrativa vai acompanhar a história de Pedro, um presidiário que é liberado no Natal para visitar sua mãe. Os primeiros planos nos mostram que a fotografia irá optar por contrastes mais altos e flertar com uma estética mais dramática, intensa. A questão é que o roteiro não acompanha os esforços da fotografia e como o casamento não deu certo, nada dá no fim das contas. A direção de arte se mantém num estigma pouco criativa de tentar montar uma complexidade maior ao seu personagem, mas o prende em um ciclo mais unidimensional que planejava. O ator não se infiltra bem no material e o espectador sente isso. Nossa empatia pela trajetória do protagonista é prejudicada por esta falta de harmonia em todos os setores.
Além do mais, sua relação com a mãe, retratada de forma apressada, se estende a figura da prima, Pamela, que possui o mesmo espírito de Pedro antes de ser preso. A trajetória é tão desinteressante quanto à forma que Lins propõe, e não consegue lidar de maneira subversiva com os próprios atos que mantém na progressão narrativa. Então quando vemos Pedro beber álcool (proibido no caso dele), cheirar cocaína e cometer um crime, não sentimos impacto algum, já que não nos importamos com seu personagem, nem mesmo entender de onde vêm essa chama que o corrói. Sua performance em palco não faz jus a lenda que circula na cidade e todos os personagens coadjuvantes não são mais que meros artifícios no roteiro para alavancar a narrativa e que Pedro venha cometer pequenos atos de rebeldia. Toda sua construção se dá a partir de um problema no passado, possivelmente o que o fez ser preso, um acidente envolvendo um membro da banda dele. Existe um processo de desumanização tão intenso durante a projeção, que de fato não sabemos qual o crime que Pedro cometeu, muito menos sua relação de culpa/ódio com o mesmo.
Ao retornar ao crime, mesmo nesse curto período de tempo, temos a chave para a compreensão das escolhas do diretor, pois, nitidamente, a ideia original era criar um projeto minimamente comercial, sempre dialogando com essas características de filme independente, tentando achar qual seria o tom mais confortável para o espectador acompanhar, “Desvio”, não consegue gerar brio em quem está assistindo. E tentando cravar um moralismo, típico da retrógrada cultura à qual Pedro pertence, acaba optando por quase concordar com determinados pensamentos duvidoso. Um colega de profissão comentou acreditar ser um longa fascista na maneira como ele trata o presidiário e todos seus problemas. Ainda que eu não concorde com a afirmação, por não ter feito esta leitura enquanto o assistia, compreendo diversos problemas políticos que se sobressaem no longa. Um deles é a maneira como o roteiro insere os elementos de subversão clássicos no projeto. Acreditando ser algo inerente e quase julgando a imagem e o movimento que busca criar durante uma cena que se passa no show. Além de ser perigosa a afirmação, a roda punk de “Desvio”, mais parece uma ciranda cantando “Ilariê”. Eu sei, é tenebroso.
E quando Arhtur busca um elemento metafísico para depositar e creditar as explosões de Pedro, fica tão solto que até quem curtiu o filme não compreendeu sua intenção com o homem bêbado que ignora uma arma apontada para o peito. Seria Exu? Possivelmente, aliás um dos diálogos anteriores tocava no assunto. Mas toda a montagem da cena, a figura em si, os tiros pro alto completamente aleatórios dos assaltantes, o corte seco para um slow motion triste da porta do banco explodindo. Toda essa construção me faz dizer que infelizmente a aurora deste ano está complicada. Não tematicamente. De assistir.