Depois da Farsa
A tragédia brasileira em cena
Por Vitor Velloso
Durante da Mostra de Cinema de Tiradentes 2019
Um dos filmes de encerramento da 22ª Mostra de Tiradentes, “Depois da Farsa”, dirigido por Cristiano Burlan, Dellani Lima, Frederico Machado, Taciano Valério foi o penúltimo longa exibido no Cine-Tenda. De Eisenstein a divagações sobre a realidade do Brasil e sua contemporaneidade política, o longa busca uma relação histórica com as diferentes resistências sociais e artísticas que se fazem em situações extremas ao longo da história da opressão do Estado. Apesar da diferença óbvia entre a América Latina e a narrativa soviética, nossos sangues se misturam pela película cinematográfica e a luta à violência que os povos sofrem.
O que há de boas intenções em todo o projeto, há de falta de estrutura. Onde nada se desenvolve de maneira concreta ou é debatida até o esgotamento. E se a proposta não era a discussão acerca da temática, ao menos a dialética clássica do cinema político deveria se fazer presente, para que os debates pudessem aflorar. Acontece que nem a estética que os quatro diretores buscam, nem a montagem caminha com as ideias. Toda a encenação que busca alguma liberdade e desamarras da mise-en-scène clássica, cai em um caos falho e pouco produtivo, para não dizer… amador. Uma cadência nos cortes incômoda, alguns errinhos de continuidade e atuações que comprometem gravemente a dramatização de algumas narrativas apresentadas. Infelizmente, não dá pra ir atrás da defesa do projeto, por mais que haja esforço, seja no campo estético, no social ou mesmo na liberdade cinematográfica. A grande quantidade de realizadores é um problema direto no ritmo da projeção.
Sem contar os erros que aconteceram durante a exibição de queda de frames (espero que tenha sido erro mesmo). A imagem travava, tirava completamente o fluxo das imagens e afastava o espectador que buscava alguma imersão na experiência. Ainda que estivesse difícil se entregar a obra, com todos os problemas citados, estes erros apenas dificultavam. Justificando o grande número de pessoas deixando o cinema durante a projeção, sem dúvida, o maior número de desistências que vi em Tiradentes. E esta dificuldade de comunicação básica com o público, torna a obra ainda mais difícil de ser assimilada, não por uma complexidade ideológica (pelo contrário), mas por uma dialética básica mesmo, se nem os críticos, nem o povo conseguiu uma troca mínima com “Depois da Farsa”, quem mais?
E se a proposta do título ser uma revisão crítica da história do Brasil a partir daqueles personagens em tela e algumas imagens de arquivo, devo dizer que as narrativas refletem muito pouco, ou quase nada, a realidade que o país enfrentou nas ruas. E acredite que estou sendo eufemista ao retratar parte da ideologia que os diretores buscam dar voz, pois, a superfície aqui é tão próxima à negação que deve-se tomar cuidado com qualquer discurso feito diretamente a ela. Uma sequência específica envolvendo um idoso e um homem mais jovem, é particularmente inesquecível. Com os problemas desses frames constante, acompanhamos uma montagem de plano e contraplano durante o diálogo, além das frases expositivas, escutamos o idoso dizer sobre uma terceira pessoa que teria sido assassinada pela polícia, o mais jovem, em um plano reage, no outro está chorando e no outro para de chorar. Se a ideia era discutir a farsa tanto no plano temporal brasileiro quanto no da sétima arte, devo dizer que… não funciona, pelo contrário, além de banalizar o que seria o conceito à um plano tão pouco dialético, a proposição soa mais como equívoco que intelectualismo.
E por mais que haja um engajamento compreensível por parte dos autores, não há necessariamente discurso, em nenhum dos campos que busca atingir. Nem a denúncia que tenta realizar consegue alcançar suas ambições. “Depois da Farsa” parece um produto feito por encomenda, onde eles se cobraram em proclamar as opiniões individuais sobre uma realidade mais complexa e violenta que aquela proposta na tela.
Ps: Após conversar com um colega de trabalho, Renato, lembro-me de nossa discussão me lembrar de uma coisa. Eles têm Odessa, nós Costa Barros. Nem a escada nos deram como dignidade, só a pólvora e 111 cápsulas.