Curta Paranagua 2024

Crítica: De Encontro Com a Vida

A esterilidade de um espremedor de lágrimas

Por Gabriel Silveira


Dentro do circuito de dramas cômicos biográficos produzidos sob medida para formatos televisivos como a Sessão da Tarde é de praxe ansiar por produtos formulaicos regidos pelas decisões estéticas/dramáticas/criativas mais seguras e acessíveis possíveis para que, por fim, o filme atinja o ponto doce em seu status fílmico de “produto audiovisual inofensivo vendável como uma boa distração anestesiadora a qualquer audiência globalizada”. E não há nada de errado com isso — até certo ponto. Um ponto qual “De encontro com a vida”, de Marc Rothemund faz uma vista grossíssima.

A biopic conta a história de Saliya Kahawatte (o ator Kostja Ullmann), um jovem de dupla cidadania (Alemã/Indiana) que possui o sonho modestamente grandioso de ser um grande empreendedor no mercado de hotelaria alemão. Sonho este, que germinou em sua infância com seu primeiro contato com o esplendor do espírito de Torre de Babel de um hotel indiano de luxo e fluxo de hóspedes internacionais. Em meio a seu status-quo burguês alemão não havia nada que pudesse se opor como obstáculo a tal sonho. Até a chegada do dia onde descobre uma doença ocular congênita em ambos os olhos e sua visão é reduzida a cinco por cento de sua capacidade. É em seus cinco minutos iniciais onde o filme revela não somente o ponta-pé inicial de seu drama, mas, também, a tragédia de toda a insensibilidade da execução de tal drama.

Logo de início, a câmera em ponto de vista do protagonista, desfocada e entupida de artefatos digitais que começam a escandalosamente gritar a cegueira da personagem, dá o tom do que seria a vulgar orquestração do enredo. Durante a descoberta da doença num consultório médico, o filme revela o valor que dá a sentimentos verdadeiramente humanos quando começa a correr desesperadamente em sua montagem à tentativa de apresentar a maior quantidade de pontos de enredo no menor tempo possível — as performances dos atores não têm tempo algum de respirar em seus próprios sufocantes e limitadores clichês.

Saliya entra em depressão; entra em conflito com sua família (por conta de não acreditarem que este era capaz de seguir seu sonho com o peso de sua deficiência); supera sua depressão ao dar uma volta por cima de todas as suas limitações com estratégias de adaptação sensoriais; é humilhado pelo sistema ao ser recusado em diversas vagas de empregos de hotelaria por conta de sua deficiência e, por fim, decide, com todo vigor e paixão, passar por cima de tudo e todos quando toma a decisão de se mudar para a capital e tentar uma vaga numa das redes de hotelaria de maior prestígio no país. Porém, sem contar a ninguém sobre sua cegueira. Todos esses pontos desenrolam-se no filme numa correria mais veloz do que qualquer ímpeto de corte em uma montagem vertoviana, porém, sem nem ao menos um quinquagésimo do valor que o diretor russo dava ao interior do tempo de cada quadro de cada plano.

Corridos tais vinte minutos iniciais, o filme encontra o vale onde perdura por seus noventa restantes. Saliya consegue ser selecionado para cursar o extensivo treinamento/processo seletivo de seu hotel dos sonhos, sempre procurando omitir tudo o que pudesse de sua condição para que não corresse o risco de ser desclassificado. Durante os meses de treinamento, desenvolve um bromance com Max (o ator Jacob Matschenz), se apaixona e passa a ganhar a confiança do staff do hotel que, em empatia, dá todo o tipo de suporte para que os patrões não descubram a verdade do protagonista.

Não há nada de errado com as decisões de enredo, além soarem como o playground mais raso possível para o estabelecimento de uma tragi-cômica e barata série televisiva — o que acaba acontecendo. O problema é que nestes o filme não somente desanda como uma imensa montagem de esquetes terrivelmente dirigidas em uma eterna decupagem esquisita — que mais parece procurar um senso de propósito em movimentações de quadro absolutamente randômicas afundadas em uma atmosfera estética completamente estéril (certamente a escolha de lentes anamórficas mais vazia de propósito de 2017) — mas acima de tudo é preguiçosamente antiético em seu saturado recorrer à ferramenta vulgar e decadente dos inúmeros planos de ponto de vista desfocado que suplica, pateticamente, ao espectador para que tenha empatia pelo protagonista.

Dramas enlatados são alicerces vitais da indústria cinematográfica, mas quando um diretor torna-se tão alienado para com sua própria autoria, que chega a afundar-se em uma exploração dramática imoral em busca de lágrimas engarrafadas, um limite ético é ultrapassado. No fim do dia, “De encontro com a vida” acaba afirmando-se não somente como um produto enlatado ruim, mas também, passado da validade, ao ponto de levar o consumidor ao SUS por conta de uma intoxicação alimentar.

Concorreu aos prêmios de Melhor Filme e Melhor Ator no Bambi Awards 2017, a premiação alemã.

1 Nota do Crítico 5 1

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