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Crítica Curta: Eu Sou o Super-Homem

Provocação intencionalmente indigesta

Por Filippo Pitanga

Durante o Cine Ceará 2018


Há um desconforto no ar. Talvez não necessariamente positivo, e talvez esta seja exatamente a intenção. O diretor Rodrigo Batista faz uma experiência com seu filme em curta-metragem “Eu Sou o Super-Homem” que parece antes de mais nada ter sido dirigida para ele mesmo, independente da provocação ao público. Rodrigo parece ter feito um exercício de autoanálise da própria participação social inconsciente ou não nos mecanismos condescendentes com que convivemos sob o racismo estrutural no Brasil. Com um roteiro e direção assinados pelo próprio, as indagações e críticas até mesmo à própria branquitude de onde parte seu lugar de fala, e mesmo a deste crítico que vos escreve, podem ser extremamente positivos para gerar reflexão e desconstruir o quanto o silenciamento e transformação em tabus impronunciáveis perpetuam o racismo nas hierarquias de poder e privilégios.

Contudo, ainda assim, este é um exemplar cinematográfico, e precisamos levar em consideração também em como se encaixa como arte. Em entrevista posterior à exibição, o diretor demonstrou bastante consciência do lugar de desconforto com que parte, inclusive, de sua própria criação, de modo a agir junto ao filme como uma sessão de auto terapia que pode funcionar para os espectadores também. É uma história aparentemente simples que vai se tornando dura, injusta e preconceituosa através de personagens próximos de uma realidade que ainda tentamos superar, mas ainda extremamente presente no cotidiano. Um menino é convidado para a festinha de aniversário de um de seus coleguinhas de escola, uma festa à fantasia, e dá o azar de ir vestido de Super-Homem, a mesma fantasia que o aniversariante. O problema é que um menino é branco, o rico e mimado dono da festa, e o outro é negro, premissa esta a partir da qual irá se começar a trabalhar inúmeras violências diárias de segregação e discriminação, todas reunidas em uma só festinha.

Como ajuda psicológica, até por estar trabalhando com crianças, o diretor disse que a própria atriz que interpreta a mãe do convidado que será alvo dos preconceitos, Aysha Nascimento, foi também a preparadora de elenco e auxiliou que se houvesse bastante suporte às crianças e até aos próprios artistas adultos que interpretam os pais, para poderem entender como a passividade e a omissão em se achar que se está lidando apenas com rivalidades infantis pode ser extremamente perigoso em até se permitir aumentar a questão até ficar fora de controle.

Evidentemente, a festa de aniversário irá virar um campo de batalha entre os dois super. O arquétipo dominante da ocasião, por ser o aniversariante que estava oferecendo o evento, e o visitante, tratado como intruso até mesmo do imaginário permitido para aquele pequeno grupo social, uma vez que se alega que o Super-Homem não poderia ter outra raça ou etnia diversa daquela idealizada por seus criadores nos quadrinhos. Para tentar demonstrar que o filme não estaria perpetuando este tipo de noção preconceituosa, e sim criticando e desconstruindo, várias outras crianças perambulam pela festa em arquétipos que passam sem receberem o mesmo grau inquisitório, como a menina oriental vestida de Mulher-Maravilha ou a menina branca vestida de Tempestade (uma super-heroína negra nas HQs). Eis que as crianças já reproduzem exatamente onde os adultos se desmascaram, como a hipocrisia nos personagens dos pais que não conseguem lidar com a situação antes que seja tarde demais.

Outra questão que fica na linha tênue da fronteira de execução do filme e seu êxito é o tom leve dado a boa parte da trama, em ritmo de comédia e até aventura (como quando o Super-Homem do protagonista negro salva um Flash que antes sofria de bullying por seu sobrepeso e vira o herói de verdade da festa). Ou seja, quando se chega no final, em que o peso da história realmente se revela e aguarda um desfecho trágico em aberto e com uma incógnita, o espectador talvez não tivesse sido preparado o suficiente para aquele final ter o efeito que necessitava ao invés de um impacto momentâneo. Faltou um pouco mais de segurança e ousadia para se unificar as investidas do roteiro e firmar a mesma segurança com que a personagem de Aysha nos conduz na primeira cena – o que não se repete posteriormente quando ela sai de cena.

2 Nota do Crítico 5 1

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