Festival Curta Campos do Jordao

Crítica: Clube de Compra Dallas
Por Fabricio Duque

Uma das consequências da arte
cinematográfica é traduzir a realidade e seus dramas existentes. Assim, a Síndrome
da imunodeficiência adquirida, Aids, foi constantemente abordada por “gerar
histórias fatais” de carga emocional preconceituosa. Ao longo desses “tortuosos”
anos, inúmeros filmes foram produzidos e a maioria totalitária sem final feliz (devido à falta de perspectiva). “Filadélfia”,
de Jonathan Demme; “Meu Querido Companheiro”, de Norman René; “Aconteceu Comigo”,
de John Erman; “As Testemunhas”, de André Téchiné; “Jeffrey – De Caso com
a Vida”, de Christopher Ashley; “A Festa”, de Thom Fitzgerald; “Blue”, de
Derek Jarman; “Trainspotting”, de Danny Boyle; “Kids”, de Larry
Clark; “E A Vida Continua”, de Roger Spottiswoode; “Paciente Zero”, de John
Greyson (um “musical soropositivo”); “The Living End”, de Gregg Araki (um “Telma
e Louise gay soropositivo”), sem esquecer a versão nacional “Estou com Aids”,
dirigido por David Cardoso, sendo “o primeiro filme realista do mundo a mostrar
a doença cuja única saída é a morte”, tampouco os mais recentes “Positivas”, de
Susanna Lira; “Boa Sorte”, de Carolina Jabor; “Estávamos Aqui”, de David
Weissman; “Teste”, de Chris Mason Johnson; e as para televisão, “The Normal
Heart” e “Angels in America”. Todos, sem exceção, “trabalharam” o argumento da
fatalidade pelo cenário antes dos coquetéis antivirais. Hoje, os remédios “escondem”
o vírus, apresentando uma carga viral indetectável. Assim, as histórias “dramáticas”
ganharam felizes e duradouras positividades. Em “Clube de Compras Dallas”, em
questão aqui, o diretor Jean-Marc Vallée (do cultuado “C.R.A.Z.Y – Loucos de
Amor”, o mais ou menos “A Jovem Rainha Vitória” e a bomba com “B” maiúsculo, “Livre”)
utiliza-se do cinema imersão e instaura o “efeito Disney” (sem o cliché “alienado”). O filme quebra conceitos ao contar a história de
um eletricista heterossexual de Dallas, “viciado” em prostitutas, que foi
diagnosticado com AIDS em 1986. A narrativa “viaja” da mesmice existencial do
personagem, confrontando a morte, buscando a vida e encontrando a redenção. Ron
Woodroof (interpretação espetacular de Matthew McConaughey, que rendeu um Oscar
e um Globo de Outro de Melhor Ator) recebe dos médicos que só tem trinta dias
de vida. Ele lutou, desesperou-se, vivenciou o caos, recusou-se a aceitar o
prognóstico e criou uma operação de tráfico de remédios alternativos, na época,
ilegal. Ron, antes homofóbico, desenvolve uma bela relação de amizade com Rayon
(o excelente Jared Leto, Oscar e Globo de Ouro de Melhor Ator Coadjuvante – “perdendo”
quatorze quilos), transexual que conheceu em uma de suas internações no
hospital, e assim o cineasta explicita sua fábula realista de humanizar o
preconceito enraizado. É um filme sensorial. O espectador vivencia os dramas,
medos, anseios, catarses, defesas, lutas sociais, sobrevivências diárias,
oportunismo das empresas farmacêuticas, descaso do Governo, efeitos colaterais
e perda de peso significativa (Matthew emagreceu vinte quilos para viver o caubói
que “confirmava os riscos do AZT para a saúde dos soropositivos” – “comendo
pudim de tapioca comprada em Nova Orleans”). Quando a Aids surgiu acreditava-se
que era um “câncer” para que os gays fossem punidos (e ou um vírus de laboratório),
ou até que “a melhor forma de se proteger e ou não contaminar o outro era não
se relacionar sexualmente”. Porém se analisarmos mais a fundo, talvez,
poderemos criar paralelos não tão fantasiosos assim. Se observarmos que no fim
da vida, todos, com exceção das tragédias, “abaixam a imunidade”, então, em uma
viagem lisérgica, despertamos a percepção de que seremos “vítimas” desta “praga”.
Ou que esta é uma oportunidade real de rever pré-conceitos massificados e “desumanos”.
Atualmente, ninguém morre mais de Aids. O HIV está controlado e um portador
vive normalmente. Mas mesmo assim o cinema precisa de histórias passadas. O que
“Clube de Compras Dallas” faz é fornecer uma luz no fim do túnel. De esperança.
De liberdade. De expurgação do medo da morte. O filme, baseado em fatos reais,
não é fácil, tampouco palatável. Deseja-se a sofreguidão crônica do fundo do
poço. De transformação temporal. De acostumar com a nova “fase”. De modificação
existencial. De histórias individuais. De vivências abaladas. Jean realiza sua
obra-prima. De salvações à la “Lista de Schindler”. Um grande filme de proporções
interpretativas grandes com roteiro “ensaiado” milimetricamente e de filmagens rápidas
(apenas vinte e cinco dias). Tem estrutura Sundance (independente) Hollywood
(comercial). Clube de compra Dallas critica o sistema ao “aceitar” uma taxa de
associação de quatrocentos dólares mensais para que o paciente pudesse ter
acesso a qualquer medicação que desejasse. Um plano de saúde às avessas. Mais
direto, funcional, humanizado e no melhor estilo Robin Hood. Trinta dias
transformam-se em sete anos. “As nossas escolhas tem uma dimensão coletiva”, trecho do curta-metragem sulista “Codinome Beija-flor”, de Higor Rodrigues, inspirado no documentário “Jogo de Cena”, de Eduardo Coutinho, que tensiona elementos da ficção com o documentário, abordando descoberta, enfrentamento e preconceito.

Pix Vertentes do Cinema

Deixe uma resposta