A Fábrica de Nada

Compreender o propósito da própria luta

Por Fabricio Duque


Exibido na Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes 2017, e vencedor do prêmio Fipresci da crítica internacional, “A Fábrica de Nada” é um típico expoente crítico das mazelas políticas de Portugal. Seu diretor Pedro Pinho (de “Um Fim do Mundo”) busca imprimir uma realista ficção-científica. As máquinas de um indústria causam a sensação de iminente perigo social e se assemelham a uma personificação, à moda de “Tempos Modernos”, de Charles Chaplin, e ou “Brasil S/A”, de Marcelo Pedroso.

“A Fábrica de Nada” conduz um tempo etéreo-existencialista, de suspender o exato instante vivido com a espontaneidade livre, quase amadora e altamente bem-humorada, sarcástica e espirituosa (outra característica intrínseca do povo português, nossos colonizadores) de empregados em uma fábrica que entram em greve por novos direitos, melhoria nos salário e melhores condições de trabalho. É um filme vida. Uma contemplação de como se é no cotidiano das pequenas ações e pequenas experiências do dia-a-dia, como o sexo naturalista e conceitual, que é atrapalhado.

Sua fotografia granulada, mais escura, saturada ao noturno, ganha contornos nostálgicos, quase atemporais, de atmosfera que explicita a inferência aos diretores Manoel de Oliveira e Miguel Gomes, ambos da terra do fado. Com sua câmera próxima, quase mosca (não percebida), nós adentramos nas dúvidas e nas ordens de patrões versus operários, estes vulneráveis iniciam a revolução parando as máquinas, fazendo com que o espectador lembre e relembre do cinema luta do inglês Ken Loach (e seu “Pão e Rosas”), e da estrutura narrativa dos Irmãos Dardenne. Entre “bibelôs”, “um elefante, um tigre e um negro”, e brasileiros.

“A Fábrica de Nada”, com suas duas horas e cinquenta e sete minutos, apresenta um épico da luta social, conjugando silêncios, ócios, escolhas, persistências, liberdades, prisões, enraizadas dúvidas, e suavizando o tema (ainda que com recorrentes confusões – com a câmera que desta vez está de longe, observando) que no mesmo festival abordou em “Em Guerra”, de Stéphane Brizé. É um cinema direto, de viés documental para se desenvolver no ficcional.

É a ressignificação da utopia. De uma equipe coesa para continuar a produzir. Em outras máquinas, outras funções. Uma adequação à crise internacional na construção civil. Uma reformulação da nova administração. Sim, desculpas são diversas e infinitas a fim de alienar o funcionário. São oferecidos direitos, reuniões e medos. A “rebelião” talvez necessite de “atitudes mais drásticas”. “Sem máquina não há trabalho”, diz com um ingênua espontaneidade, como fazer cócegas.

“A Fábrica de Nada” arquiteta acordos e protestos em domínio absoluto da direção de Pedro Pinho, que desenvolve um julgamento de valor sobre o “espectro que assola a Europa: a crise, um final sem fim, um apocalipse sustentável”, com explicações do “capitalismo e da escravatura”. É um filme de conversas. De histórias. De causos. De argumentações. De debater “vadio” pela palavra, diferente do longa francês com Vincent Lindon. Aqui, a luta é literária e teórica, pululada de definições ao trabalho humano e ao ser capital, rechaçado de humor verdadeiro, direto, cruel, ácido e agressivo, quando “tira a pele do coelho e o garoto olha e diz: olha como você vai ficar”. “Utopia ou necessidade?”.

Uma noite, um grupo de operários descobre que a administração vem roubando máquinas e matéria-prima de sua própria fábrica. Ao decidirem se organizar para proteger os equipamentos e impedir o deslocamento da produção, os operários são forçados a permanecer nos seus postos sem nada para fazer, enquanto as negociações para demissões avançam. Uma reflexão sobre o papel do trabalho humano em tempos em que a crise se tornou uma forma de governo, em metáforas que ora indicam a “saída de emergência” e com uma câmera que infere o documentarista americano Frederick Wiseman. “Se não atacar os gorilas, os gorilas nos atacam”.

É uma crônica social sobre a espera, o tédio, sobre a catarse visceral do desespero, os silêncios, o passar tempo e os empurrões no limite do suportado, com seus jogos de futebol, zoações, cúmplices picardias (intrínsecas e aceitáveis características de um povo). Eles lutam contra as “demissões amigáveis”, as “indenizações sociais” e às pressões psicológicas dos advogados que representam seus patrões (com seus discursos padrões e com artimanhas de falar com suas esposas), e estão à favor da coletividade (“Sozinho: vou fazer o que?”), do enfrentamento de encontro às “propostas tentadoras” e de fazer sacrifícios em prol do outro. E convive com as decisões que podem definir seus futuros de “ninjas robalos” e “teenagers mutantes”. “Não é pai, mas sabe dar chutes na bunda”, ao som de Cartola, “se eu tivesse autonomia”.

Ao passar o tempo, ficam mais agressivos em seus discursos. Mais urgentes. Mais próximos a guerra. Não querem “vender a dignidade por dez mil” contra o “Vocês comem dignidade?”. Não há mais consenso. Nenhum. Qual o propósito da greve? Será uma “ocupação ilegal”? É uma “insolvência”. “A Fábrica de Nada” é uma radiografia sobre as rachaduras no sistema. Um estudo de caso trabalhista com os quatro últimos sonhadores, que alternam esperança política e frustração intelectual. Sobre o medo do desemprego, sensação que mais desnorteia os europeus, e do futuro selvagem. Eles podem falar, mas não podem fazer nada. A união faz a força (“as pessoas juntas são inteligentes”). Mas uma “andorinha só faz verão?”. Desencadeiam consequências, brigas legais na Justiça e colapsos às ideias de Adam Smith.

É também um filme sobre amizade de amor incondicional. Em estreitar a relação do ambiente em que mais gastam tempo. Eles criam seus musicais teatral-punk neo-realistas e amadores (dirigidos pelo ficcional diretor – a metalinguagem – a cara do cineasta Stanley Kubrick) com um que de “Sinfonia da Necrópole”, de Juliana Rojas. Cada vez mais inocentes e utópicos em só perceber o capitalismo orgânico e a poesia burguesia. Estão polarizados politicamente. Oito ou oitenta. Em duas metades: esquerdista ou fascista? E Chico Buarque. Tudo intercalado por um viés documental da auto-gestão de 1974 a 2016. Constrói-se as histórias ao longo que contam, improvisando seus relatos de problemas portugueses (com um que da parte três de “As Mil e Uma Noites”, de Miguel Gomes). “A Fábrica de Nada” é uma reflexão que aprofunda camadas. De se “sujar um pouco naquela lama”. Não é um filme otimista, contudo também não é um que estimula o tiro na cabeça. É uma forma de entender como sair de tudo isso.

4 Nota do Crítico 5 1

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