Potencial Desperdiçado
Por Vitor Velloso
Pascal Laugier é conhecido por uma obra, específica, “Mártires” um completo antro de violência desmedida, fanatismo, agressão às mulheres da maneira mais gratuita possível, sadismo, ocultismo etc. Possuía uma deficiência quanto sua própria estrutura as duas metades soavam dois projetos diferentes. “A casa do medo: incidente em Ghostland”, deriva de conceitos e, infelizmente, problemas parecidos.
Esqueça o extremismo francês, aqui, o jogo é outro, o longa parte de uma ideia recorrente no cinema, a interiorização do medo, além de utilizar outro recurso conhecido “a casa das bonecas”, porém, de uma modo não convencional. A sinopse deve ser passada de maneira sucinta possível, a fim de permitir uma experiência contínua. Pauline (Mylène Farmer) e suas filhas Beth (Crystal Reed e Emilia Jones) e Vera (Taylor Rickson e Anastasia Phillips), estão de mudança, indo para uma casa no interior, após herdá-la de sua tia, ao chegar a noite, são atacadas por dois invasores. Pauline luta com os agressores e consegue proteger suas filhas. Dezesseis anos depois, Beth virou uma escritora de sucesso e recebe uma ligação de sua irmã, que diz desesperada, que os agressores retornaram. Beth vai até a casa, entender o que está acontecendo.
Todas as ideias por trás do longa, mantém o clima mais psicológico que físico. As cenas que possuem uma brutalidade elevada ou são concebidas de maneira direta, possuem uma relação direta com a psique das personagens. Os elementos cênicos são os maiores indicadores disso, aliado a própria fisionomia dos invasores, que não irei revelar, pois, é… curiosa. Existe um teor ficcional diretamente ligado à veia do roteiro, visto que Beth, almeja ser uma escritora de terror, tendo seu ídolo declarado, H.P. Lovecraft. Essa relação da personagem com o escritor, abre o filme numa frase terrível, mas dita alguns acontecimentos e atitudes que impulsiona o projeto à uma dimensão bastante peculiar, inclusive, na forma como o espectador presencia a progressão da história. Esse conceito chave à película, vêm de uma relação formal entre a montagem e o roteiro.
A misancene depende diretamente da encenação que é proposta pelo diretor, é direta porém precisa, com seus elementos de arte sendo o principal chamariz à plasticidade do filme. Infelizmente, o problema de tom, se mantém no novo longa de Pascal, o último ato se constrói de maneira desordenada e desinteressante. O contrário de “Mártires”, que era o inverso. Quanto mais compreendemos o universo de “Casa do Medo” mais ficamos interessados, mas o desenvolvimento das ideias expõe todo o arcabouço de terror fálico e direto, de forma desnecessária. Transformando uma interessante desconstrução do gênero num exercício genérico.
O frequente conflito entre o medo e a aparente inércia do físico diante de um trauma, são fontes interessantes para se extrair todo o nervo da trama. O medo não só como uma reação, mas também um de expansão do tempo e de certo modo a própria existência. Outro conceito trabalhado em outros projetos do francês. Interessante ver como são projetados os vilões do filme, sempre evitando o rosto e criando um contexto aleatório à situação, um dos pontos sólidos do projetos, pois, já que não somos capazes de entender a motivação dos dois, muito menos compreender a própria figura, a ameaça deles é gritante. Ainda mais por levarmos em conta a atitude do maior, que aparentemente sente prazer em estuprar bonecas, e como as duas vítimas são vestidas e maquiadas, a audiência fica especulando o que acontecerá. Permanecendo fiel a ideia que está convencendo qualquer um de todas suas reviravoltas.
A brincadeira ali discutida, é eficaz em segurar a atenção do público, permanece ativo por um tempo considerável na cabeça das pessoas após a exibição, graças a direção de arte e o trabalho na linguagem que Pascal promove, mas falha gravemente em equalizar os desenvolvimentos de personagem e em assustar o espectador. É estranho, incomoda algumas sequências, mas não mexe diretamente no sentimento de quem assiste, o que faz ele perder muita força. A consequência é uma história frágil, mas com um potencial intenso. Uma deficiência na estrutura que assume quanto os próprios temas. E uma postura demasiadamente próxima ao senso comum conforme progride.