Corpo Presente
A previsibilidade discursiva
Por Vitor Velloso
O caráter hermético de filmes como “Corpo Presente”, dirigido por Leonardo Barcelos, pode ser um impeditivo para parte do público desavisado que decide se aventurar no cinema. A estrutura poética e performática das sequências do longa procura criar uma identidade estética particular, tanto para reforçar a singularidade do texto e das imagens quanto para se alinhar à parte dos discursos presentes na obra.
Aliás, o filme faz questão de apresentar, no início de sua projeção, que se trata de um projeto realizado a partir da imersão colaborativa de artistas, no qual “as trocas, com diferentes metodologias e etapas, atravessaram seus corpos e histórias, construindo performances coletivas e individuais exclusivas para o filme”, citando em seguida o nome de cada um dos artistas: Ludmilla Ramalho, Janaína Tábula, Ana Luiza Santos, Marc Davi, Guilherme Morais e Ayrson Heráclito. Em sequência, anuncia que “depoimentos de importantes personalidades complementam o discurso fílmico” (Suely Rolnik, Erika Hilton, Ailton Krenak, Carlos Magno Mendonça, Diana Corso, Jo Clifford e Leda Maria Martins, que, curiosamente, não é citada nos créditos finais). Assim, a introdução já revela parte do caráter do filme: uma união de fragmentos e recortes que formaliza um ensaio performático e, ao mesmo tempo, reflete sobre particularidades da sociedade brasileira, do corpo, de suas expressões, etc.
“Corpo Presente” apresenta ao espectador essa união de elementos de forma solta, com a voz em off tentando criar alguma base contextual para as performances e imagens. Contudo, há uma estrutura bastante corriqueira que mantém o longa em um tom cíclico e monótono, seja pelo uso da trilha sonora como apoio na intenção de criar algum tipo de ambientação sensitiva, seja para reforçar a ligação entre seus elementos primários. Parte das citações, no entanto, parece não possuir uma relação material ou concreta com a base das performances, o que dá um caráter confuso às supostas discussões levantadas pela película. Além disso, determinadas falas ou expressões contidas nas vozes em off surgem descontextualizadas pelo uso de imagens de arquivo específicas ou são carregadas de uma argumentação frágil (quando não utilitarista). Um exemplo é a menção aos “primeiros líderes”, seguida pela aparição de imagens de Hitler, para, em sequência, mostrar muçulmanos ao redor da Caaba. Esse tipo de associação direta, realizada de forma inconsequente, gera uma sensação de superficialidade na crítica apresentada. Mesmo que seja possível explorar, sob um prisma materialista, a comparação entre a idolatria a líderes políticos e a religião, essa sequência de imagens não ajuda o espectador a compreender o objetivo do filme nem sua linha argumentativa, dificultando a construção de um espaço racional onde cada um possa, de forma individual, refletir.
Dessa forma, pode-se dizer que “Corpo Presente” é uma obra sintomática de um contexto político em que a crítica parece esvaziada para dar lugar ao protocolo das “palavras-chave”. Há uma intencionalidade clara em situar-se dentro de um território de discussão recorrente, mas o filme não encontra nem o próprio objeto de argumentação, tampouco sua finalidade. Não por acaso, os méritos da obra estão em suas belas imagens, e não em sua proposição sobre a relação entre o corpo e os temas que decide abordar em seu percurso. A experiência do projeto é particularmente frustrante, pois resulta em uma constante sensação de inocuidade. Apesar de fragmentos interessantes e projeções de discussões com um ou outro argumento que sublinha a realidade concreta, a obra retorna à miserabilidade que permeia os debates frequentemente vistos em redes sociais.
“Corpo Presente” se esforça tanto para abarcar uma série de temáticas e discussões contemporâneas que seus constantes retornos — descontextualizados e, muitas vezes, anacrônicos — ao passado assentam seu discurso em um lugar-comum de superficialidade. Isso se intensifica especialmente quando o filme aborda, de forma irreverente, debates extremamente herméticos sobre problemas materiais, históricos e institucionalizados pela sociedade.