Copan
Um ícone da Paulicéia Desvairada
Por Clarissa Kuschnir
Assistido durante o Festival É Tudo Verdade 2025
Em “Copan”, documentário integrante da mostra competitiva nacional do É Tudo Verdade 2025, a câmera chega bem devagar (com o fundo do céu cinzento da capital paulista) no maior edifício residencial da América latina. Enquanto isso, o tempo não para nas ruas movimentadas da selva de pedra. E é justamente a lentidão da cena de seu início (mas que pode se tornar maçante para quem está acostumado com a velocidade das mídias de hoje em dia) que nos causa a imersão de espectadores contempladores de alguns dos 1160 apartamentos existentes do Copan. Partindo dessa vertente observacional, e experimental, a fotógrafa e cineasta Carine Wallauer, que morou sete anos no prédio, traz para às telas seu primeiro filme sobre este ícone da cidade de São Paulo projetado por Oscar Niemeyer na década de 50, e que em seguida foi executado pelo arquiteto e historiador Carlos Alberto Cerqueira Lemos, sendo inaugurado em 1966.
Na época, o Copan, que fica na Avenida Ipiranga, no bairro central da República, foi encomendado para as comemorações dos 400 anos da cidade. O edifício, em formato de S, com curvas sinuosas, é considerado o símbolo da arquitetura moderna de São Paulo, e desperta curiosidade não só por parte dos locais, mas por diversos turistas que passam por ali. Eu mesma, uma paulistana nata, a cada vez que passo por aquela região, paro para observar e refletir como vivem e quem são os mais de cinco mil moradores (sim, muito maior em população de muitas cidades no Brasil) que residem no icônico edifício.
Aqui, no longa-metragem de Carine, algumas dessas perguntas foram respondidas, pelo visão da cineasta, de uma forma muito natural. Isso fica bem claro durante os noventa minutos em que a câmera passeia, apresentando seus sinuosos corredores dos apartamentos, comércios locais, a vista de uma cidade feia, mas que se torna bonita (pelo menos aos meus olhos) e direcionando o foco principal a seus funcionários e moradores, que engrandecem e são os reais protagonistas da obra. Tudo em “Copan” se desenvolve sem nenhuma entrevista. Assim, as imagens falam por si só. Não foi preciso mais do que isso. O formato cumpriu totalmente seu propósito e funcionou muito bem.
Em “Copan”, o importante é acompanhar o dia a dia e as conversas corriqueiras de quem vive no prédio. É como se nenhuma equipe de filmagem estivesse por perto. Como se a câmera não existisse, fosse mosca. Nada parece interferir. Cada plano tem seu tempo lento, como por exemplo: os papos atrás das portas; o cotidiano dos comerciantes em suas lojas lá; o trabalho, o descanso e as discussões dos funcionários, que divergem politicamente. E ainda há mais. Um outro ponto que enaltece o filme é que a cineasta escolheu justamente as eleições federais e estaduais para contrapor esses todos diferentes pontos de vista abordados e coletados. E é muito interessante ver a reação de cada um ali retratado, dentro de seus apartamentos, no dia das apurações de 2022. Justamente por residirem muitos artistas, arquitetos, estilistas, cineastas e jornalistas, há uma maior tendência de seus moradores à esquerda política.
Mas o Copan como fica bem claro no filme é uma minicidade que recebe os mais diversos tipos de pessoas, de diferentes classes sociais, em apartamentos que variam de 29 a quase 200 metros quadrados. E o objetivo de Niemeyer era justamente este: buscar a diversidade dentro do complexo. E como todos os edifícios, não poderia faltar as sempre problemáticas reuniões de condomínios, que aqui é mostrada através do zoom, ainda em meio à pandemia, com cerca de quase 100 pessoas (até poucas, para a dimensão de moradores do prédio). Essa é uma das passagens de “Copan”, que rende bons momentos ao mostrar toda a divergência de uma moradora (parece até que já vimos essa história) com o síndico que permanece há 16 mandados no cargo. Sim, não deve ser fácil, administrar um prédio do tamanho do Copan. Carina quer mostrar esses trabalhadores, com quem criou um elo forte ao chegar no edifício. Segundo ela, que é filha de uma empregada doméstica e um caixeiro viajante, é muito difícil se firmar como artista quando se vem de um lugar em que a cultura formal não é estimulada, sem poder expor os talentos artísticos.
E no Copan a diretora daqui conseguiu fazer isto quando ressaltou pessoas comuns como protagonistas. Cada um do seu jeito e com suas aptidões. E destes protagonistas, muitos estiveram presentes na primeira sessão no Brasil neste É Tudo Verdade, depois do filme percorrer alguns festivais mundo à fora, estreando no Festival Internacional de Documentários de Copenhague, o CPH:DOX. “Copan” ainda se complementa com a pulsante (assim como a vida na cidade de São Paulo) trilha-sonora original composta por DJ KL Jay, um dos maiores nomes do Rap nacional que inclusive mora no Copan e faz aparições no filme, em parceria com o DJ Will e DJ Kalfani.