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Conclave

Habemus Papam

Por João Lanari Bo

Festival Telluride 2024; Festival do Rio 2024

Conclave

Habemus Papam, ou “Temos Papa”: há dois mil anos e pouco essa é a frase-fetiche que anima os católicos espalhados pelo planeta, proclamada logo depois do conclave que decide quem será o novo Santo Padre. Em 2016, a Igreja Católica contava aproximadamente com 1,3 bilhão de fiéis – ou seja, 19% da população mundial e mais de metade de todos os cristãos. Certo, as diversas orientações evangélicas têm avançado, sobretudo no novo milênio, mas a sagrada instituição em Roma continua firme – para o bem e para o mal, diriam os céticos. “Conclave”, lançado no final de 2024, é o título do filme dirigido por Edward Berger que trata exatamente disso, a eleição mais esperada de todas, aquela cujo vencedor é suposto ser investido de nada menos, nada mais, de – santidade.

Baseado no livro homônimo do escritor britânico Richard Harris, conhecido artesão de suspenses, o roteiro de Peter Straughan é milimetricamente construído para segurar a respiração da audiência – as intrigas palacianas dos cardeais, a disputa pelo manto excelso, a microfísica de poder que se instala nos ambientes reclusos do Vaticano onde se dá a eleição, são os ingredientes da trama. Um casting também formado à perfeição – Ralph Fiennes, o Decano Lawrence carregando a narrativa, Stanley Tucci e John Lithgow, atores veteranos e rivais no “Conclave”, Isabella Rossellini e Sergio Castellitto, em papéis pequenos, também excelentes, além de vários coadjuvantes, todos muito bem – é o arremate final dessa produção onde tudo parece estar no lugar certo.

Sim, é entretenimento, um entretenimento papal, que sem dúvida tem um charme especial. O Papa, aliás, morre logo na primeira sequência, deflagrando a corrida sucessória – e desvelando a cisão política entranhada na Igreja, liberais versus conservadores, para enunciar de uma forma bastante reduzida (são muitas nuances nesse binômio). Instituição global há milênios, fundada em pleno Império Romano, a Igreja possui uma densidade histórica única na história da humanidade. Atravessou cismas, outras instituições espirituais foram criadas a partir dela – os ortodoxos, os protestantes – assimilou corrupções, excessos e guerras fratricidas, e resistiu. Hoje o Vaticano administra uma diversidade de fiéis e uma igualmente diversa base de apoio – a hierarquia católica – sem par entre as organizações que atendem às demandas de inspiração religiosa da população.

Todo esse universo está implícito quando os cardeais se reúnem para votar, no filme em tela – são cento e poucos votantes, o escolhido precisa receber dois terços do total de 108 votos, sendo que nenhum cardeal pode se abster do voto, nem votar em si mesmo. Poucos cardeais são focados em “Conclave”, representando diferenças, geográficas e de mentalidades vigentes na Igreja. Estamos em um thriller político, com edição aguda e precisa, e trilha sonora à altura do clima tenso. O Decano Lawrence manobra nesse labirinto, imbuído da autoridade que o Papa morto – cujo legado sugere algo do atual Papa Francisco – lhe concedeu. Não é tarefa fácil.

O enredo é ficcional, mas os conflitos são reais. Nas conversas dos prelados, veem à tona o passado recente traumático – o Papa Bento XVI, por exemplo, foi membro da Juventude Hitlerista e lutou na guerra. João Paulo II, seu predecessor, encobriu graves e patéticos casos de abuso sexual. O roteiro de Straughan menciona esses aspectos, mas evita entrar em debate mais profundo, como foi o caso de “Dois Papas”, de Fernando Meirelles. Isso não quer dizer que temas polêmicos sejam evitados: o Cardeal Tedesco, um dos candidatos mais ativos, vocifera contra os muçulmanos como se estivesse na Idade Média. As artimanhas do seu ambicioso competidor, Cardeal Tremblay, aproximam-se escabrosamente do inverossímil – seja lá o que Deus o quiser.

Uma fala da Irmã Agnes, que gerencia o apoio das freiras – quer dizer, a tradicional posição subserviente das mulheres na Igreja católica – subverte por um instante a hierarquia de gêneros: somos supostas sermos invisíveis, mas não podemos deixar de ter olhos e ouvidos. Nesse mundo estático, evoluir sem perder a relevância é um enorme desafio. Um personagem de fala mansa, surgido na última hora graças a uma nomeação extemporânea do Papa recém-falecido, é o cardeal Benitez de Cabul – sim, a capital do Afeganistão. Ele é mexicano, neófito no Vaticano, atravessou mares bravios em seu sacerdócio – Congo, Bagdá – e sua fala pode iluminar a congregação.

Alta voltagem política, portanto, em ritmo de diversão. Saudável, certamente – e o twist final fecha com chave de ouro a transição papal.

4 Nota do Crítico 5 1

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