Com Amor, Van Gogh: O Sonho Impossível
No Cinema Nada é Impossível
Por Jorge Cruz
“Com Amor, Van Gogh: O Sonho Impossível” exige, para sua apreciação, duas condições fundamentais: que o espectador tenha gostado – ou minimamente se interessado – em “Com Amor, Van Gogh“, animação de 2017 indicada ao Oscar; e que seja interessado pelos meandros de uma produção cinematográfica. O documentário, dirigido e montado pelo estreante Miki Wecel é uma boa reportagem para a televisão. Aliás, a maneira original de veiculação é justamente a TV, chegando ao Brasil nas salas de cinema como uma opção alternativa em janeiro, mês em que os “filmes de férias escolares” tomam conta do circuito.
Não há tanto a ser dito quanto em produções similares como “Memory: As Origens de Alien, o Oitavo Passageiro“. Ao contrário da produção hollywoodiana que completou quarenta anos em 2019, o longa-metragem que ousou revisitar os últimos momentos da vida de Vincent Van Gogh a partir da investigação informal de Armand Roulin foi feita da forma mais guerrilheira possível. Tanto que boa parte das primeiras manifestações da diretora – e idealizadora do projeto – Dorota Kobiela vão no sentido de trazer as dificuldades de captação de recursos para a produção. Começando com financiamento coletivo, o vídeo viral propositalmente lançado levou o orçamento da obra a promissores 5 milhões e meio de dólares. O sucesso nas bilheterias, causado pelo interesse de um filme que inova visualmente, fez com que fossem arrecadados mais de quarenta milhões, um assombro para um longa-metragem desta natureza.
O mais edificante em “Com Amor, Van Gogh: O Sonho Impossível” é como Kobiela conseguiu superar a desconfiança sobre algo que, no papel, parecia irrealizável. Ela mesma menciona que o ceticismo envolvendo a produção foi ampliado pelo fato de ser iniciante e, sobretudo, mulher. Mesmo com a sensação de que estava criando, ao lado do produtor Hugh Welchman algo jamais visto, não há registro de muitas imagens dos bastidores. Por isso, o documentário usa em excesso os depoimentos colhidos a posteriori. É bem pouco técnico, priorizando objetos como a relação da cineasta com o pintor ainda no Ensino Médio e um panorama sobre a vida de Van Gogh que é quase um verbete do Wikipedia animado. Contudo, mesmo em questões mais afetivas, a exploração é rasa. A diretora, por exemplo, se disse incentivada por ter – no momento em que colocava a por em prática o projeto – os mesmos 29 anos do holandês quando este começou a pintar. Fator pouco explorado pelo roteiro, creditado ao próprio Welchman.
Uma vez pensado para exibição na televisão, o longa-metragem tem alguns deslizes técnicos que chamam a atenção. Um depoimento, por exemplo, foi gravado sem a utilização de microfones, gerando uma diferença de percepção considerável. Ao focar no apoio recebido pelo Instituto Polonês de Cinema, preenche essa passagem com vídeos institucionais que destoam do registro menos comercial do produto. No mais, nada que torne a experiência e assisti-lo desagradável.
Por outro lado, algumas questões apontadas à época do lançamento da animação são melhores entendidas em “Com Amor, Van Gogh: O Sonho Impossível”. Na mais importante delas, a crítica acerca da qualidade diferente entre cenas. Muito se falou como, em algumas sequência, se identifica claramente os atores por baixo da pintura. Fica nítido no documentário que Kobiela e Welchman foram ajustando as questões ao longo da produção do filme – muitas delas incorrigíveis na pós-produção. É como remendar as fantasias com o bloco na rua. O resultado final pode não ter sido tão atraente – e até frustrante para boa parte dos espectadores. Porém, o pioneirismo estético e a trama envolvente sobre as pessoas que viraram modelos de Van Gogh, compensou.
Merecidamente, “Com Amor, Van Gogh” foi indicado ao Oscar de 2018, ao lado de “A Ganha-Pão” e algumas baboseiras de sempre dos grandes estúdios norte americanos. Perdeu para “Viva: A Vida é uma Festa”, um longa-metragem que conseguiu aliar o magnetismo de um produto Disney com forte carga emocional. A maneira como se criou, na equipe de realizadores, a expectativa de ser convidada de honra da festa da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas dos Estados Unidos, mostra que o reconhecimento da indústria não deixa de ser importante. Mesmo com toda a visibilidade, sucesso comercial e turnê de lançamento intensa, o sentimento de missão cumprida só veio naquele instante. Um sentimento que deve passar na cabeça de Petra Costa, que viu recentemente “Democracia em Vertigem” passar pelo mesmo processo.
Para aqueles que ficaram curiosos para entender o processo de reunir mais de cem artistas e fazer de 65 mil pinturas uma animação convincente, “Com Amor, Van Gogh: O Sonho Impossível” cumpre sua função. Mesmo sem mergulhar a fundo e talvez deslocado ao ser exibido em uma sala de cinema, ainda tem o condão de despertar a paixão cinéfila que existe em nós.