Humberto Giancristofaro morou na Índia. É professor de Yoga, filosofia e cultura indiana. Raquel Valadares é bacharel em cinema na UFF. Ela dirigiu o documentário “Corpo de Bollywood, o povo quer cinema”, rodado no próprio país. Trabalhou como assistente na novela “Caminhos da Índia” e faz a pesquisa para o programa “Um pé de que?”. José Carlos Monteiro foi crítico no Globo, Jornal do Brasil e Isto é e editor das revistas “Filme Cultura” e “Guia de Filmes”. Ele é hoje professor da UFF. Esses são os nomes que integraram o debate. Como mediadora, Gisella Cardoso, curadora do evento que disse “19 filmes selecionados. Mostrar que o cinema indiano está além de Bollywood”. Ela fez uma homenagem a um dos integrantes. “José Carlos, ele me fez olhar muito para a realidade”, complementou.
Essa trupe trocou ideias e conhecimentos. E devolveu ao público uma aula sobre a Índia.
Raquel: “Fui arrastada para ver esse fenômeno de perto na raça e na coragem. Assim que fiz o meu documentário na Índia. O público indiano fanático, com particularidades típicas, foi o que encontrei. Há referências musicais dos filmes (nos clipes da MTV). Salas de cinema improvisadas. Os indianos absorvem o exótico de outras culturas e incluem na própria. O estilo é um melodrama com uma mensagem moral. Mas está mudando o quesito música. Hoje os filmes estão com poucos números musicais. É uma Índia moderníssima, com rede de laços sociais, quebrando barreiras e tabus. Exemplos são: “3 Idiotas”, “Laços” e “Faça o que o seu coração mandar”. São histórias da origem (códigos), modelando e reformando a sociedade. O engajamento é complexo. Alguns filmes recebem o abatimento de impostos. Trata-se como uma educação primária (Estado) em uma transformação social. Não há heróis. Há personagens que querem modificar regras radicais. Entende-se a história mesmo sem legendas. Eu por exemplo não fala Hindi (língua oficial). O roteiro não cria um caminho simples e direto para o ‘happy end’ (final feliz). Há tradições na nova realidade.
José Carlos: “Como o Brasil ignora esse planeta chamado Índia, enigmático e estranho, que faz parte do grupo BRICS (junto com Brasil, Rússia e China) tendo mais de um bilhão de habitantes. Passa-se por uma gigantesca desinformação. “Mãe Índia”, nos anos 50 equivale a Nelson Pereira dos Santos aqui. Artistas que transpiravam modernidade. Indianos se espalharam pelo mundo e o traço principal foi o cinema. Impressionante a quantidade de livros que estudam esse cinema (ele pesquisou no Amazon. com). Há identidade e especificidades marcantes. Herdeiros do neo realismo italiano, gestado em um confronto entre Segunda Guerra e fascismo. Em 1947, a independência. Houve secas e movimentos separatistas, matéria-prima de diretores marxistas. Não mais um gênero repetitivo e caduco, mas um cinema realista. A nova onda retratava uma Índia profunda, autêntica, ruralista, com um povo sofrido e explorado. Era a sublimação de uma concepção diferenciada do mundo sânscrito, uma tradição clássica diferente. O mundo era visto como uma ilusão, como o cinema popular (Bollywood). Há cinema de arte (que o povo não curte) e há o popular. Muitos atores chegam ao parlamento e viram celebridades. “Massala” significa tempero, salada, mistura. O popular é visto pelos críticos como uma Índia atrasada. Querem Godard com Bresson e estética indiana. Para a arte acompanhar a modernidade implica bens de serviço e mudança de mentalidade”.
José Carlos: “Pirataria na Índia é grande, de uma maneira fantástica. Eles pirateam tudo. Roteirista é a figura mais desprezível do mundo. Todos dão palpites. Considerado como cargo abaixo do figurinista. Eles plagiam sem nenhum constrangimento. ‘É fácil ver em inglês e fazer melhor’, uma máxima indiana.
“Essa semana o filme mais visto foi ‘A origem’ com Leonardo di Caprio”
“Indianos querem ganhar o Oscar. O Estado escolhe o filme com uma comissão de bons cidadãos. Essa comissão privilegia a tradição e não o cinema”
“O filme ‘Siga em Frente Munna Bhai’ é mais importante que ‘Quem quer ser um milionário?’ (filme polêmico na própria Índia, uma ofensa ao indiano)”
“A dança é ousada, engraçada e pertinente. Eles dançam mesmo em situações deslocadas. A música é o plano da fantasia. Essa imaginação sintetiza o que está em jogo. Reduz-se idas e vindas da trama. É tão natural, inerente e intrínseco. Primeiro o estranhamento cultural, depois o entendimento”
“Cinema, repouso do caos. Só o silêncio e o ar-condicionado já valem o ingresso. Cheiro de comida e perfume”
“Todos cantam o hino nacional da Índia antes das exibições”
“O problema em exibir filmes indianos no Brasil é o tempo de duração”
“A trama indiana é guiada por um personagem que interage com outros”
“A Índia atrai. Exportada em vários tipos de meios. É um potencial de excelência”
“A pretensão do cinema indiano (o futuro) é uma história fechada, menor e uma narrativa que agrade ao ocidente. Querem transformar o cinema em estrangeiro para que seja palatável”