Cidade Rabat
Os espaços pessoais
Por Vitor Velloso
Festival de Berlim 2023
Dirigido por Susana Nobre, “Cidade Rabat” é um interessante filme sobre relações: afetivas, de espaço, de amadurecimento e claro, luto. Não é um drama convencional que procura traçar um desenvolvimento de personagem a partir de um acontecimento específico, mas sim a percepção de mudanças a partir do mesmo. Existe aqui uma espécie de distanciamento nos planos médios, seccionando de forma consciente os elementos de informação no quadro, com o objeto íntimo de um close. Assim, tanto íntimo, quanto intimista, o longa se desenvolve sobre a mudança do cotidiano a partir do processo de aceitação da protagonista, Helena, interpretada por Raquel Castro, de ser uma mulher que conseguiu alguma forma de independência, tornando-se a mais nova de sua família e sem os pais por perto.
É claro que existe algum grau de desconforto em determinadas sequências, o que é natural para uma obra que assume essa postura quase fria diante de seu material, com uma montagem, assinada por Martial Salomon, que cadencia a perspectiva dos espaços com planos mais fechados na ação em si, ou objetos que a personagem interage. Contudo, esse desconforto vem de uma prévia contextual com a protagonista, quando não algum tipo de conflito de classe se escancarando diante do espectador. Existe uma cena particularmente emblemática quanto a isso. Neste sentido, quando “Cidade Rabat” trabalha com a relação dos espaços em seus quadros, acaba transformando a representação de sua localidade em um ponto de apoio para a compreensão cultural desse contexto também. Não por acaso, será comum ler alguns comentários comparando o estilo de Susana com o de Akerman, não equivocadamente, mas com suas diferenças.
Aqui, a fotografia de Paulo Menezes faz toda a diferença na construção dessa narrativa, pois compreende bem os distintos momentos de Helena dentro do escopo dramático dessa história, mas sem a necessidade de enveredar seus esforços para um mimetismo preguiçoso, como comumente vemos nas obras, e sim para direcionar o espectador no jogo de contrastes e, novamente, espaços que está presente em único quadro. Por essa razão, a abordagem, que flerta com frequência, com um tipo particular de naturalismo, muitas vezes zoa engessada, ou enrijecida pela sua obsessão em centralizar seus personagens, porém sem a intencionalidade de apenas expôr suas intenções de desenvolvimento dramático, mas por compreender que esses desconfortos gerados por uma câmera fixada fazem parte das relações cotidianas que nos cercam, especialmente na situação da protagonista, que enfrenta uma nova fase de sua vida. Contudo, esse jogo simétrico de blocos quase geométricos para delinear as informações do quadro, acabam criando uma certa exaustão no espectador, que mesmo intencional, pode comprometer a experiência individual para determinadas pessoas.
Ainda assim, o retrato de uma cultura através deste olhar íntimo proposto por Susana, atravessado pelo drama particular de Helena, revela as interferências da vida real no desenvolvimento dramático aqui, enriquecendo a sessão e transformando “Cidade Rabat” em uma reflexão para além da ficção. E é justamente nessa tensão constante entre um ar cômico de determinadas situações, um certo olhar otimista do projeto, a personagem à beira de um colapso e um roteiro que consegue ser doce mesmo em projeções particularmente amargas, que o filme vai se tornando complexo à medida que sua progressão vai descamando novas perspectivas.
O leitor que se aventurar em “Cidade Rabat”, pode encontrar de tudo um pouco aqui, mas a sensação de exaustão emocional, ou física, é uma verve proposta por uma película que não procura os caminhos mais simples de serem traçados. Tudo é reconhecido como uma espécie de processo, mesmo sem possuir um fim definido, mas uma jornada pessoal, pessoal e comunitária. E por essa decisão, já demonstra uma sinceridade maior em um trabalho pouco burocrático do ponto de vista cinematográfico, que mesmo sem ser inventivo, é capaz de criar algum respiro nesse fim de ano turbulento dos lançamentos cinematográficos.