Chico Bento e a Goiabeira Maraviósa
Uma aventura caipira com humor de pão de queijo
Por Fabricio Duque
É incrível que mesmo com o passar dos anos, o cinema brasileiro ainda não conseguiu resolver sua falta de identidade narrativa, evocando o lado mais genuíno da tipicidade humana, que é buscar sempre tentar agradar aos outros para assim ser aceito popularmente. Sim, como algum ditado popular já disse: nós somos “viralatas” procurando a “grama verde do vizinho”. Mas lógico que há muito boas exceções, que aparecem para mostrar que nem tudo está perdido e que há vida criativa nas obras nacionais. O melhor exemplo desse descolamento do querer ser e ter que ser padrão é o filme “Chico Bento e a Goiabeira Maraviósa”, que apesar de se categorizar como infantojuvenil, consegue conversar de forma inteligente, sagaz, perspicaz e livre de melodramas sentimentais, tudo porque o longa-metragem escolhe a liberdade despretensiosa, imprimindo uma identidade própria e assumindo todos os desdobramentos consequentes dessa decisão. Em uma tradução mais popular, podemos dizer que “Chico Bento e a Goiabeira Maraviósa” é um filme delicioso de assistir. Com alma e humor de “pão de queijo” (o legítimo mineiro com queijo mesmo). Essa maestria sensorial não só é despertada por trazer uma brasilidade típica e crível do interior “roça” que encontra uma representação à altura pela interpretação do protagonista: o ator mirim (interpretado de forma irretocável por Isaac Amendoim) e de suas personagens complementares, tampouco só por criar uma atmosfera coloquial de um cotidiano ficcional, mas principalmente por respeitar a inteligência de quem assiste ao usar e abusar de todos os elementos naturalistas.
O mais interessante de “Chico Bento e a Goiabeira Maraviósa”, baseado em “todas as histórias de Maurício de Souza”, como já disse no parágrafo anterior, é a não busca por tentar ser algo e sim aceitar sua própria condição essencial. Ainda que a narrativa construa uma atmosfera mais popular, e mais teatral ao traduzir os comportamentos típicos de vidas do interior (mais pastelão à moda de um Charlie Chaplin “roceiro”), às vezes soando mais estereotipados, ainda assim este filme é um épico de idiossincrasias coletadas e ações muito particulares, como por exemplo o gel do cabelo é a lambida de uma vaca. E/ou como transformar animais em humanos em “mesmo pé de igualdade”. Essa versão live action dos quadrinhos não tem medo de valorar sotaques e expressões mais intimistas de como se fala no local. Precisamos lembrar também que “Chico Bento e a Goiabeira Maraviósa” é uma obra infanto-juvenil e assim é preciso seguir símbolos característicos do gênero, como ser mais didático e bem mais explicativo, quase numa estrutura de novela. E/ou ter os adultos mais infantilizados e crianças bem mais inteligentes. E/ou trazer a goiabeira à vida e tudo virar animação, em discursos-artimanhas “coach” aprumadinhos,
Sim, “Chico Bento e a Goiabeira Maraviósa”, dirigido por Fernando Fraiha (de “Bem-Vinda Violeta!”, “La Vingança”), quer também explorar formas narrativas. A quebra da quarta parede é uma delas, em que a personagem principal conversa diretamente com o espectador, olhando para a câmera. Para contar um causo, mesmo que todo contador de histórias “aumente vários pontos no conto”. Se é verdade ou não, tanto faz (é o que menos importa), o fato é que toda essa condução mais exagerada e mais desengonçada é um deleite para nossos ouvidos, especialmente pela carga precisa e despojada de humor, entre a coragem do dizer e a timidez do ouvir, de zoação ingênua, que caminha no limite dessa graça ser considerada como “quinta série”. E entre tradições (a de plantar uma árvore quando uma criança nasce), superstições (de assombrações-lendas) e imaginações projetadas, o filme consegue equilibrar de forma competente o humor mais realista, mais “espinhoso” e crível (de um naif cinismo fofo), tanto nas ações “estupefatas”, quanto nos diálogos. Nós imediatamente somos sugeridos a Ariano Suassuna e um que de “O Auto da Compadecida” e “A Pedra do Reino” com “Pedro Coelho”.
“Chico Bento e a Goiabeira Maraviósa” é também uma crítica ao mundo que vivemos hoje e seu “pseudo” progresso. Derrubar uma goiabeira para ter estrada. Isso me lembrou do filme “Samuel e a Luz”, de Vinícius Girnys, que traz o drama de vidas que aceitaram a luz como futuro. Aqui, a luta é bem mais básica, mas bem sintomática. Para que destruir e reconstruir se podemos adaptar nossas ideias de “civilização”. Há alguns dias li uma matéria de que o governo japonês comprou andares para atravessar uma via dentro de um prédio. Sim, para que destruir as “ladainhas do passado”? Que sonho é esse de “meter o pé no brejo”? “Que mundo é esse que troca goiabeira por asfalto! Ser gente é complicado demais”, questiona-se com o “coração esfarelado” e com caipira pira pora. Sim, “asfalto na goiabeira dos outros é refresco”. E assim “Chico Bento e a Goiabeira Maraviósa” é “maravióso” e que após a sessão do filme, todo mundo, sem exceção, pediu por favor que Isaac Amendoim não cresça nunca. Um ator que transcende a própria experiência do Método.