Curta Paranagua 2024

Chão

Retrato da Pessoalidade Política

Por Vitor Velloso

Durante o Festival do Rio 2019

Chão

Nos primeiros minutos de “Chão”, o espectador compreende a temática que será trabalhada, o Estado, como sempre, apoiando a propriedade privada e os grandes latifundiários, enquanto uma parte da população não possui onde morar, nem o que comer. E a política além de não se preocupar com todas essas vidas, burocratiza ao máximo qualquer direito que tais famílias possuem. 

Dirigido por Camila Freitas, o documentário acompanha a história de pessoas do Movimento Sem Terra (MST) e a busca por uma ocupação em uma usina acusada de fraude. O filme costura tal história com as narrativas orais perpetuadas por quem está a mais tempo no movimento, além de contar com as articulações estratégicas de como enfrentar o processo no Legislativo contra um sistema que está disposto a proteger os detentores do poder. Aliás, um filme que consegue algum tipo de diálogo com este é “Parque Oeste” 

A construção inicialmente é de maneira intimista, vemos Vó e PC conversando acerca do planejamento futuro das terras que poderão vir a receber, organizando metodicamente onde as coisas ficarão no espaço do terreno. O diálogo demonstra o respeito mútuo entre os dois, mas principalmente a confiança que possuem nos futuros vizinhos que terão através do movimento. A família que é formada pela sobrevivência, é absolutamente indestrutível do ponto de vista político e emocional, pois cada um ali ofereceu suor e sangue para que outro pudesse ter onde morar e o que comer. 

Camila se aproxima dos membros para que possamos enxergar os humanos que compõe o MST, para muito além das questões políticas que os envolve. Assim, as longas conversas durante um turno de guarda, tornam-se relatos pessoais de todo o sofrimento já vivido, além de pontuar a falta de estrutura de toda aquela agitação política e social, já que todos os esforços estão em manter as famílias seguras. 

“Chão” busca uma nova dimensão periodicamente, ao filmar uma ocupação durante a madrugada de uma fazenda e da usina, onde os caminhões são impedidos de saírem do local. O documentário mostra o não uso da violência em qualquer circunstância e ainda circunda proposições mais claras quanto a lógica de suas escolhas, demonstrando que ao contrário do que alguns partidos gostam de afirmar, as ocupações não são realizadas a esmo, e sim através de uma longa discussão, estudo e argumentação diante do poder Legislativo. 

Não à toa, a diretora filma um dos processos enfrentados pelo movimento, e acaba por retratar a postura do cínica dos juízes ao afirmar que “estão do lado do povo e dos necessitados” mas não é possível ajudá-los pois a fraude cometida pelos empresários deveria receber uma punição que não lhes dizia respeito, caso fosse confirmado os crimes destes. A política contemporânea brasileira já provou que pode penalizar as pessoas sem provas, vide casos recentes de diversas instâncias. Porém, torna-se claro que não trata-se de lei, mas sim de postura diante da realidade, pois os empresários não estavam sendo acusados sem provas, eles apenas não haviam sido penalizados ainda (e não foram). 

“Chão” consegue retratar esses pequenos momentos dos participantes em meio a um cenário político conturbado, é capaz de localizar os ocorridos no sul de Goiás, mas falha ao ampliar aquelas relações em um cenário de unidade fílmica. Diversas coisas parecem jogadas para que as imagens não se percam, mas acaba influenciando drasticamente no ritmo do filme, assim como na cadência que busca acerca da narrativa que conta. A escolha implica diretamente no fluxo que está sendo projetado na tela, não à toa, o documentário tem várias irregularidades quanto ao tempo que se sente. 

Enquanto o cenário de documentários nacionais vive uma padronização da forma e da temática, “Chão” trata de um movimento que vem sendo criminalizado pelo reacionarismo crescente, então possui um espaço de destaque na politização do cinema brasileiro, mas acaba derrapando em alguns momentos onde não consegue costurar com eficácia, os recortes que são feitos pela montagem, expondo as falhas do projeto ao público. 

Para além dos méritos sociopolíticos, algumas questões formais chamam atenção, como determinados enquadramentos que buscam aconchegar toda aquela dimensão em um único plano, conseguir utilizar pequenos momentos de beleza plástica para que haja algum prazer diante de toda aquela luta incessante que assistimos no ecrã. E acaba nos dando a lição daquela população ali presente, que o povo brasileiro por mais que enfrente todas as adversidades possíveis, indo contra o Estado, o faz sem perder a esperança e, quem sabe, com sorriso no rosto. 

3 Nota do Crítico 5 1

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