Chamada a Cobrar
Emergente
Por Vitor Velloso
Eu ainda não sei se é um filme de comédia ou um drama para sustentar um suspense enclausurado. Frase do bandido sobre os Mamonas Assassinas: Claro, pô, os maluco era maneiro.
Anna Muylaert é uma cineasta de poucos espaços, costuma manter seus projetos em um confinamento social e/ou espacial. “Chamada a Cobrar” não é diferente, ainda que seja uma tortuosa viagem entre estados, mantém-se no aprisionamento da chamada telefônica, de um trote, que dá origem a toda trama. Enquanto a narrativa se desenrola, pode-se observar diversos problemas acerca da maneira como se enxerga a dicotomia Rio-São Paulo, mas acaba conseguindo gerar um embate social através dessa comunicação à distância, com eixos que implicam na desigualdade ali presente, entre a protagonista de classe A e o presidiário que expõe as dificuldades com relação à saúde pública. Durante a projeção do filme, o espectador se depara com diversas anedotas cômicas, onde o presidiário fala: “Vocês de SP ficam aí poluindo o mundo. Aqui no Rio nós tem praia”. Existe uma certa versatilidade no humor e na condução dessa narrativa, que mostra a verve máxima de Anna enquanto envereda para as questões sociais que pretende debater. Quando é possível sentir algum remorso da situação da protagonista, ela berra no telefone: “Eu vou comprar esses bichinhos de pelúcia para você dar para as criancinhas da ONG”.
Toda uma perspectiva histórica, odiosa, das relações de classe e suas causas, implicando em um olhar preconceituoso com as Organizações Não Governamentais, que, atualmente, se reflete no Presidente da República. Enquanto brasileiro, ficaria feliz de ver um vazamento de grampo da Polícia Federal onde o último presidente eleito deste país passa um trote para o atual. Na conjuntura que o país se encontra, e sempre se encontrou, com o viés conservador ditando a maioria da opinião pública, “Chamada a Cobrar” pode soar uma faca de dois gumes, pois impõe um olhar de menosprezo ao Rio de Janeiro e às classes sociais fora do eixo A/B, ainda que o mesmo venha de uma mulher de classe alta. Além do mais, o terror ao qual a personagem é submetida, gera uma contrapartida de teor cultural, no caso Rio-SP, além de programar o olhar acerca dos homens na cadeia. É claro que o intuito de Muy era outro, mas a abertura que o longa dá para que haja interpretação nesse sentido, é bastante ampla. Sendo assim, a refrega de classes que se instaura no projeto em questão, acaba sendo superficial demais para que um debate se inicie, mas culturalmente estimulante através do humor e das frases de efeito. E aqui é possível colocar mais um adendo, o desenho feito com estas respostas rápidos possui uma segregação de convívio bastante grave com os cariocas. O estereótipo máximo é utilizado, um arquétipo perpetuado pela mídia conservadora, que aqui encontra um meio de manutenção.
O argumento de que a protagonista também se encaixa nesse quadro de máscaras comuns, é frágil, já que o teor do filme é ampliar certas camadas do conflito social aqui imposto, logo, a maneira como se projeta essa classe A/B é uma particularidade que não compete à sua contrapartida. Anna Muylaert possui essa característica, o estereótipo, não à toa, parece sempre falar de outro andar, quando “dá” a palavra às classes menos poderosas, economicamente, do Brasil. Trata a realidade como uma verticalização de relações que nunca são quebradas ou desafiadas, pelo menos não em sua obra ou em seus personagens. São meras tentativas burguesas de se empoderar o povo através de sua lente. Sem nunca permitir as rédeas do mesmo. Assim, seu melhor filme segue sendo “Que Horas ela Volta?” pois é o que mais se aproxima de conseguir algo a partir de suas outras tentativas, inclusive é o que parece amalgamar todos seus projetos em um só. Com menos falhas estruturais nessa perspectiva social que busca. “Chamada a Cobrar” é um experimento formal que toca em pontos sociais, não o contrário. E por isso não atinge grandes camadas das discussões que se vê na Internet, é o velho caso de se alçar algo acima do que de fato é posto em cheque. Um ode para a discussão da burguesia classista que analisa tudo de cima para baixo.