Canções de Amor
Mais uma vez.
Por Vitor Velloso
Cinema Virtual
O gênero musical é constantemente levado à uma espécie de “renovação” da indústria, por acreditar sempre na capacidade de unir o lúdico com essa concepção imediata de uma mise-èn-scene que é “livre” das amarras dramáticas convencionais. Logo, algumas amarras são derrubadas com certa facilidade, o que torna a experiência para o público, direta, sentimental e, talvez, catártica.
Pelas mesmas razões, compreende-se como uma ferramenta cultural bastante imponente, o que facilita a assimilação dessa cultura de maneira interna, “Sinfonia da Necrópole” (2014) de Juliana Rojas, e imperialista, externa, “La La Land” (2016), para citar apenas contemporâneos.
Está claro ao longo da história do cinema, que a margem para esse imperialismo se dá através de um fomento massivo à indústria cinematográfica, para que permitisse a exposição do imaginário norte-americano, uma ideia de projeção de realidade. Demy é o que melhor assimila o gênero, sendo versátil em sua forma. “La La Land”, a síntese do destino-manifesto branco da cultura, jazz, norte-americana. A colagem de Chazelle explicita o óbvio, a fragilidade da indústria enquanto criação sem assalto alheio.
“Canções de Amor” de David Stubbs é tudo aquilo que se espera de uma obra musical da indústria norte-americana, uma história de amor, flashbacks sem sentido, a linguagem mais pasteurizada possível para que o “sonho de um amor” possa ser contado através de músicas constantes e que repetem o mesmo tom dramático por uma hora e meia. Contudo, o filme não sai da Trumpland, mas sim da Nova Zelândia. A transa cultural-imperialista entre os países de língua inglesa se dá de maneira mais eficiente, pela mesma razão que une os países. Mas ainda que me falte bagagem para dissertar acerca do cinema neozelandês, o arquétipo norte-americano é recriado de forma impecável, a partir de uma lógica de produção menor.
Todas as questões dos diálogos expositivos, de uma exacerbação de tudo que acontece na tela, para o texto, como uma mímica, no intuito de avisar ao espectador que compreenda as razões dos acontecimentos esbranquiçados do filme. Não há nada de relevante para se dizer da costura que é feita na montagem, entre o presente e o passado, pois as músicas fazem questão de expôr a constância que devemos remeter um ao outro.
Assistir “Canções de Amor” é um exercício de paciência. Um desafio. Pois o cartão de visita do longa, seus primeiros dez minutos, são o suficiente para afastar qualquer espectador desavisado. As letras das músicas são, na melhor das hipóteses, diálogos de um programa barato de comédia pro youtube. É um pop-romântico, cantado no mais agudo possível, no mais clichê possível, em tudo que se já trabalhou em linguagem anteriormente, montagem rápido, palco azul, cortes velozes para a platéia (claramente desinteressada), closes etc.
É mais um filme que visa o entretenimento como porta de entrada para um imperialismo por baixo dos panos, onde o streaming brasileiro vai nos entregar como algo “casual”, sem compreender que por trás disso tudo, há um processo econômico, um rolo compressor, que vai utilizar da nossa dependência do capital para que um verdadeiro furto cultural seja realizado em nosso território, por osmose. A máquina de usurpação está sempre ligada, cabe a crítica se colocar contra os projetos nocivos que são apresentados no mercado brasileiro. É necessário que se debata um projeto cultural e educacional que dê conta de uma reestruturação da porta de entrada desse mercado. A ideia não é nova e está longe de ser colocada em prática, Escorel já disse o mesmo.
Enquanto a crítica de cinema aplaude a superficialidade nas telas, mais filmes como “Canções de Amor” vão ganhando espaço no mercado. Cota de tela para filme brasileiro é necessária, mas demonstra o absurdo do imperialismo. Um país é obrigado a votar e aprovar uma lei que busque um espaço para obras cinematográficas brasileiras, pois não há incentivo para isso, muito menos interesse do exibidor. Se a cadeia de circulação, produção, distribuição, exibição, consumo, não possui o mínimo de intervenção dessa política imperialista, o Brasil estará sendo vendido através da produção estrangeira.
O fim desse texto compreende uma irritação particular e não trava guerra ao cinema estrangeiro, mas busca a visibilidade do nacional, enxergar o oposto é assassinar a interpretação. E assim, citando o poeta que nos consome em ritual endoantropofagicocultural constante, para que o colírio se faça:
“A Poesia para os poetas. Alegria dos que não sabem e descobrem.
Tinha havido a inversão de tudo, a invasão de tudo : o teatro de tese e a luta no palco entre morais e imorais. A tese deve ser decidida em guerra de sociólogos, de homens de lei, gordos e dourados como Corpus Juris.
Ágil o teatro, filho do saltimbanco. Agil e ilógico. Ágil o romance, nascido da invenção. Ágil a poesia.
A poesia Pau-Brasil. Ágil e cândida. Como uma criança.”
Oswald de Andrade.