Canção ao Longe
Melodia paralizada
Por Ciro Araujo
Festival de Brasília do Cinema Brasileiro 2022; Festival do Rio 2022
Diante de tendências, há uma em específico que o cinema brasileiro entra em conflito: o naturalismo cinematográfico. Alguns chamam de aberração, outros de aproximação. Seja qualquer conceito escolhido para definir, existe o centralismo nesse sentido. “Canção ao Longe”, da diretora Clarissa Campolina, se assemelha da ideia – de forma etérea – para percorrer uma trajetória íntima.
O filme mineiro, de Belo Horizonte, gosta de aproveitar em seu curto espaço de tempo, dos ambientes interiores. É necessário definir como tal para compreender essa vontade que Clarissa teve de introduzir um forte drama familiar de se entender. Como força motriz está esse sossego inerente do longa, uma melancolia fria, mas que deseja se movimentar. Essas antíteses capazes de aprontar na obra formam potências. Vejamos, por exemplo, no cerne do cineasta Ryusuke Hamaguchi, que despreza – apenas em partes – a forma de seu filme, para fortificar a direção de atores. “Touching the Skin of Eeriness” é um claro exemplo, sem contar com suas recentes indicações. Para complementar essa comparação, é justo relembrar também “A Vida Invisível”, de Karim Aïnouz. Essa conceitualização de melancolia tropical, uma fervura gelada, prestes a se queimar, demonstra dentro de Campolina que existem sim referências fortes e que demonstram justamente essa palavra descrita: “potência”.
Desde já, “Canção ao Longe” é um longa-metragem cansado. Seus personagens que percorrem durante esse drama procuram um chão construído pela narrativa que parece mais próximo da quebra. Isto é, existe um conceito de lirismo que falha ao reencontrar as conexões da personagem Jimena. Essa herança largada através de cartas parece servir como cola para interações abismáticas para além de uma qualidade sobressalente.
É um filme formal, consistente, que, novamente, relembra o filme de Karim. É fácil de se escrever sobre suas qualidades técnicas, pois muitas as possui nesse sentido estético. Uma fotografia neutra, mas com muita intensidade, o controle de luz transforma os personagens.
Clarissa Campolina não parece conceituar muito bem o que ela chama de romances sem a questão sexual. De fato, existe esse romantismo, ainda mais da criação de um ideal parentesco; ou da insistência em certos relacionamentos decadentes. Todavia, diante do que vem nessa tendência de melancolia tropical, não há uma padronização de comentários. Ou ao menos forças, que estruturam toda essa narrativa. Fazer tantas comparações com o filme de Campolina provavelmente é uma atitude canalha, no mínimo, mas há de se pedir perdão pois muito ela parece assimilar de heranças globais narrativas: Rohmer era ótimo de se comentar uma dualidade burguesa, o francês que se expandia através daqueles anos setenta e oitenta. Aqui, a família classe média de Belo Horizonte é central, e parece chutada, sucateada. Quando há algum interesse, o filme dissolve para longe.
“Canção ao Longe” definitivamente foi um dos filmes mais chutados para o escanteio na Mostra Competitiva. Apesar de ter ganho um dos prêmios na cerimônia, foi pela sua pulsão fraca de conversar sobre “o resto”. E o resto era justamente o interesse do espectador nas imagens e nos relacionamentos. Mesmo que existisse um ótimo trabalho envolvendo a atuação, ela não conversava além da dinâmica; um trabalho cansado, como citado. Traz setenta e seis minutos de duração para a sensação da casa dos cento e vinte. Não atraente, seu final refaz o gosto amargo que outrora poderia ser perfeito para sua condição. Este, é sem dúvidas alguma, um trabalho muito circular. As investigações de Jimena quando avalia Arturo – seu pai – parecem não avançar. O cinema brasileiro gostou muito de realizar lá para a década de 2010, como uma espécie de reticências do gênero de retomada, essa avidez burguesa entrepostas com narrativa clássica. As cartas, tradição mineira, retomam cartas chilenas (ainda mais a ascendência do pai), mas à que preço? Se elas não parecem pulsar para frente, para um lugar que exista esse desejo de se assistir mais do drama produzido. Resulta em ruído, não de imagem nem som nem comunicacional; Ruído narrativo.
A crítica, que parece ser pesada com tal obra, cai apenas nesse contexto. É difícil de se escrever sobre “Canção ao Longe” quando tal produz incômodos do percurso oferecido por Campolina. As pistas perseguidas pela protagonista, estão no espaço-tempo foragido, aquele no qual não desejamos ir além, analisar e sentir o tato de suas qualidades. É triste, pois, apesar desse gosto do Brasil em cinema burguês, há possibilidades no cinema melancólico tropical.