Blitz – O filme
Nostalgia e ode à cafonice
Por Vitor Velloso
Durante o Festival do Rio 2019
Mais uma produção que contorna uma personalidade brasileira chega aos cinemas, “Blitz – O filme” de Paulo Fontenelle. O documentário, que fala diretamente da banda do título, possui a missão de abarcar não apenas a trajetória do grupo, mas também de seus componentes, o que poderia vir a ser uma problemática política que tocaria diretamente a obra, já que as diferentes pessoas que o integram tomaram caminhos divergentes ao longo de seus carreiras. Porém, Fontenelle dribla tais questões contemporâneas, sensíveis ao tempo que se lê, retomando com eficácia o memorial daquele momento onde o sucesso se iniciou e degringolou em discussões e brigas intermináveis.
Entre egos e (des)afetos, a construção dessa história se dá com a proposição direta de uma oralidade e imagens de arquivo que enriquecem a experiência, seja por compasso de imaginário ou um esclarecimento conciso que abarca uma extensão de todas as narrativas ali expostas. O trânsito entre esses arquivos é dificultoso ritmicamente, não que haja um freio imposto através dos cortes, mas por nunca haver o impulso harmônico dos saltos entre o material e as filmagens do longa.
Essa falta de arrojo por parte daquilo que se projeta, implementa uma falta de sintonia grave para com o público, que acaba se exaurindo em construir as peças de um grupo que aparece com um fragmento de uma época e de um retrato que nunca se concretiza em tela.
Apesar de demonstrar o impacto cultural que “Blitz” representou em seu tempo, o documentário não consegue explicitar um registro epocal e social que comporte a dimensão deste destaque ao longo dos anos. Isso acaba tornando o exercício de mapeamento criativo mais complexo que deveria, já que o espectador se divide em compreender parte da musicalidade ali presente, com o sucesso astronômico da banda e as características individuais de seus integrantes.
Neste último quesito o filme consegue ser consciente em trabalhar de maneira a elevar o destaque constante de Evandro Mesquita, assim como na época, para que haja uma compreensão maior dessa refrega que se instalou no grupo. Um desconforto causado majoritariamente pelo ego que a indústria maneja para que haja uma individualização dos talentos e uma exploração direta de uma imagem única, já que a segregação facilita o controle desse meio econômico.
Sem expor as mazelas desse sistema que já corrompeu algumas bandas ao longo da história, “Blitz – O filme” se prende ao básico, mantém uma estrutura padrão de documentários que narram a trajetória de um grupo ou personalidade, evita determinadas polêmicas, adentra demais em fofocas desnecessárias, mas é capaz de divertir em situações isoladas.
O problema é que se toma como referencial determinadas obras que foram lançadas no último ano e a comparação acaba pendendo gravemente contra o filme de Fontenelle, que não consegue destaque durante o Festival do Rio, mantendo-se em uma mostra paralela, assim como chega aos cinemas com pouco falatório. Porém, se configura uma boa opção para a exibição televisiva, onde o dinamismo da trilha sonora que o compõe, se adequa ao seu meio de consumo.
Não há grandes deméritos envolvendo “Blitz – O filme”, mas não há nenhum diferencial que consiga alocar o filme como um momento notório de 2019-2020. O ponto é: A fuga política de todo o teor que está à margem do documentário, é uma opção formal e de discurso quanto a arte do grupo, ou é uma necessidade de recorrer ao velho “em cima do muro” para evitar críticas diretas de qualquer lado da moeda?
Após alguns anos de biografias e discografias sendo projetadas na tela de cinema, é necessário que se compreenda a importância de reconhecer o momento política que se fala, assim como o que se filma, relacioná-los e expô-los. Pois para além da verve partidária de qualquer um dos membros, é necessário que se exponha a face das personalidades ali envolvidas, para além da música.
Como registro de sua época, “Blitz – O filme” soa muito como seu material de trabalho, está respirando demais as glórias do passado e goza dos prazeres de uma nostalgia Imaculada que parece unir as oposições. A atitude é mais fugaz que bela de memória. A expertise que se tanto eleva dos indivíduos é ignorada pela obra, que categoriza em funções programáticas as aparições em sua construção tão automática.