Black Tea: O Aroma do Amor
Reflexos da artificialidade
Por Vitor Velloso
Festival de Berlim 2024
“Black Tea: O Aroma do Amor”, de Abderrahmane Sissako, é uma experiência cinematográfica arrastada que aborda interações culturais, identidade e amor. No entanto, ao se apoiar em uma estilização excessiva e em representações questionáveis do orientalismo, a obra acaba fetichizando suas relações e alteridades. O filme tenta explorar as diferenças entre a Costa do Marfim e a China por meio de uma contemplação estéril, mas, ao lidar com as complexidades culturais, afasta-se de qualquer abordagem profunda, mantendo tudo em uma superficialidade constante que torna a experiência desconfortável e monótona.
Desde a primeira cena, a montagem, assinada por Nadia Ben Rachid, se demonstra desorganizada, quase procurando algum objeto de interesse em meio ao caos do casamento: uma formiga, um diálogo, as pessoas à espera etc. É tudo atirado para que possamos chegar ao ponto de partida, a desistência de Aya (interpretada por Nina Mélo) no altar, de forma dramática e “chocante”. Em seguida, a transição de sua fuga conta com imagens sobrepostas e uma música que superexpondo os sentimentos gerados pelo rompimento e sua partida. Esse retrato de exageros estéticos define boa parte de “Black Tea: O Aroma do Amor”, que, apesar de conter alguma beleza em planos específicos, parece se apoiar nas formas de representação mais estabelecidas pela indústria e pelo retrato comum feito pelo Ocidente. Não por acaso, o longa precisa estabelecer uma série de introduções de efeito, com frases metafóricas e motivacionais para conseguir gerar qualquer reação do público em meio à sua fragilidade dramática.
Assim, todo o romance entre Aya e Cai (interpretado por Chang Han) soa forçado, pois a “suavidade” parece ser a única nota da relação, intensificada pela presença de frases prontas, de impacto imediato, mas descontextualizadas dos diálogos e da dinâmica entre os personagens. Dessa forma, as sequências de sensualidade são mantidas como um exercício artificial, construído a partir do mecanismo repetitivo de tempos lentos e toques suaves. A relação entre os dois é ainda mais fragilizada pela grande falta de passionalidade e pelos estereótipos, marcada pela metáfora do chá preto que “desce agradável no paladar”, em um contexto tão desagradável quanto soa. Essa comparação só serve para demonstrar o caráter exótico que marca toda a obra, simplificando todas as bases culturais que estão projetadas na tela.
Quando o filme tenta abordar temas como racismo ou machismo, faz isso de forma explícita, superdidática, com diálogos que refletem a face liberal de criticar bases estabelecidas, sempre recorrendo ao moralismo e à particularidade de determinada situação, nunca ao seu contexto. E quando a obra faz algum esforço para ampliar seu horizonte de discussão, parece se preocupar apenas de forma imediata e com impacto para o espectador, ou seja, condensa toda uma carga dramática em uma cena ou em um personagem, sempre atravessado por uma fala categórica e “impactante”.
As artificialidades do filme são tão evidentes que cenas desconexas e sem relevância dramática surgem para tentar criar contrapontos estéticos ou sentimentais, apenas para criar algum tipo de conflito momentâneo, que logo é convenientemente descartado pelo projeto. Assim, quando o espectador encontra alguma relação ou tópico interessante para se apegar, se frustra ao ver como a articulação dessa estrutura é realizada para modelar a obra em suas representações sobre suavidade, cultura e amor, sempre de forma acentuadamente estereotipada, transformando essa superficialidade em algo intragável na maior parte do tempo. Quando o filme tenta representar o tema do amor, não consegue fazê-lo de maneira genuína, esbarrando em representações platônicas e idealizadas. A relação entre Aya e Cai é marcada por gestos lentos e diálogos vazios, que são mais artificiais do que verdadeiramente emocionais. Quando o filme tenta explorar o amor como um conceito transcultural, ele cai em estereótipos ao transformar essa emoção em algo unidimensional, com símbolos que reduzem a experiência a uma mera formalidade estética.
Por fim, “Black Tea: O Aroma do Amor” é uma obra que se perde em sua tentativa de lidar com temas complexos como identidade, cultura e amor, sem jamais se aprofundar verdadeiramente nessas questões. Ao invés de um retrato sensível e multifacetado das personagens e de seus dilemas, o filme opta por uma abordagem superficial que trata a alteridade e a diferença cultural como objetos de contemplação, sem fornecer as ferramentas necessárias para uma reflexão crítica e realista sobre esses temas.