Better Man – A História de Robbie Williams
O Planeta de Robbie
Por Fabricio Duque
Festival de Toronto 2024
Em 2006, Robbie Peter Williams veio ao Brasil para fazer shows da turnê “Close Encounters”. Lembro que no dia anterior não dormi de ansiedade esperando para assistir seu show que durou exatos noventa minutos (e que até hoje tenho o dvd, programado e gravado direto da televisão). Eu nunca fui fã do Take That (seu grupo Boy Band, que veio para ser a versão britânica de New Kids on the Block), mas a voz de Robbie era especial para mim, porque tinha potência, “conversava” muito os timbres dos “deuses musicais”, um deles Frank Sinatra, especialmente por “My Way”. Mas Robbie nunca lidou bem em ser ele mesmo. Talvez por ser inglês e por isso ter que exagerar na atitude para se defender e sobreviver. Nunca conseguia dormir pela “bolha amorfa de coisas” em sua cabeça, entre medo, vergonha, dor e toda a gama de emoções humanas. Tudo isso foi dito no documentário da Netflix de 2023. Mas ainda hoje Robbie, com 51 anos, 4 filhos e casado desde 2010, precisava “escolher um jeito bem particular para exorcizar os demônios do passado”.
E encontrou a forma na ficção “Better Man – A História de Robbie Williams”, pelo diretor australiano Michael Gracey, de “O Rei do Show”. O título do filme, em questão aqui, é o nome de uma música de Robbie, e só isso já conseguiria traduzir o que este artista é. Mas Michael queria ir mais longe, queria realmente desconstruir a imagem física do astro de “Angels” para assim conseguir mergulhar muito mais nas consequências autodestrutivas (drogas e a depressão) de toda fama e sucesso. Para isso, Michael resolveu apresentar Robbie Williams na figura de um chimpanzé, talvez pegando carona em outra música famosa do artista: “Me and My Monkey”. Esse “truque” artifício “ganha” mais liberdade para aprofundar os dramas “planeta de Robbie”, sem soar piegas, sensacionalista, sentimental demais e muito menos nos manipular com emoções fáceis. Nós conseguimos uma melhor identificação. Mas olha que controverso: um filme sobre Robbie, um ser que adora a câmera e a sua imagem, que é um homem entretenimento, e não aparecer no próprio filme sobre ele.
É, pois é, e para entender esse show de maestrias que é o filme “Better Man – A História de Robbie Williams”, precisamos antes abrir parênteses sobre o cinema britânico (ainda que seu diretor seja australiano), que não precisa dar muitas voltas para ser direto e apresentar a história, talvez por causa de seu humor natural, mais sútil, ainda que bem agressivo-irônico, e cúmplice, que realmente acredita que o outro receptor é inteligente o suficiente para entender suas sacadas, seus deboches, suas verdades e suas idiossincrasias narrativas que representam em gênero, número e grau o comportamento orgânico e inerente de seus súditos da realeza. Parece que Robbie precisa ter mais atitude, ser mais marrento, mais arrogante, mais metido, mais narcisista, mais blasé, mais atrevido, mais exibicionista, soar como um hooligans, para assim mostrar o valor e que consegue, contra os outros que preferem o julgamento intolerante, cruel e defensivo à empatia do sofrimento. E esconder a alegria eufórica, empolgada, ansiosa, emocionada e desmedida de vislumbrar o sonho. É como se no Reino Unido tudo fosse mais competitivo. Os grupos musicais viram obsessões a seus fãs. É, isso pode gerar turbulências psicológicas e pensamentos intrusivos naqueles mais sensíveis. É bem exaustivo e tóxico ter que “cumprir o papel”. E quase inevitavelmente gera a raiva e o limite da catarse aguentada.
“Better Man – A História de Robbie Williams” é também um filme musical, que performa as canções mais famosas e icônicas da carreira de Robbie, narrado por ele mesmo. Nosso astro aqui encontrou sua vocação em cantar e dançar. Pelo pai que o influenciou e para ficar famoso. Não, esta não é uma cinebiografia comum, tampouco por sua fotografia e edição. Parece ser um filme de terapia exposta. De disfarces. De ter que explorar o corpo para vender sua arte (a “bunda do ano”). De seu medo de ser “desmascarado”. De não ser tão bom. De não se esforçar o suficiente. De “sufocar por dentro”. De nunca admitir derrotas. De receber mais hostilidade e migalhas para ser aceito. Ainda que já tenha “cara de popstar”. Então “ser amado por todos” é a resposta? Suas músicas buscam a metáfora de poética mais crua do que sente. E assim foi se moldando e aprendendo a entreter. A ser quase um artista-palhaço, de cunho sexual, mais com rebeldia infantil, que faz piadas pegando no órgão sexual e fumando no palco, apesar da potência poderosa da voz.
“Better Man – A História de Robbie Williams” consegue mesmo manter o equilíbrio e ritmo entre emoção e ação. Não se busca aqui subir o tom do sentimental. Há naturalidade nesta comoção de ser “a melhor versão agora”. Mas sim Robbie nunca deixará sua melancolia. É uma característica inerente dele. Uma identidade que o faz ser o que é. Entende que sua consciência é assim e que precisa lidar com ela. Só que uma das formas criativas de Michael Gracey é a de “pesar a mão no final” com excessos de sentimentalismo, que ganha ares de auto-ajuda e redenção direta. Sim, isso é típico do diretor. Ainda que esses pontos incomodem, o filme não perde seu contexto-mérito de retratar o período da infância de Robbie até sua pós-reabilitação com o show em 2001 “Live at the Albert”. Eu assisti ao show e me emocionei. Naquele momento eu entendi melhor suas necessidades de fama e sucesso. Ele só quer cantar e para isso preciso de público. E assim o fez, vários de seus shows “bateram” The Rolling Stones. E também criou sua própria marca, unindo assim artista à pessoa. “Better Man – A História de Robbie Williams” é assim: um filme talvez editado demais, mas que pode se dizer que representa todos os planetas e versões de Robbie.