Batalha Bilionária: O Caso Google Earth
Don´t be evil, Google!
Por João Lanari Bo
Netflix
“Batalha Bilionária: O Caso Google Earth” é uma minissérie que conta a história real – com direito a licenças dramáticas, bien sur – da empresa berlinense Art + Com, que processou o Google por roubar a ideia que serviu de base para o Google Earth – roubo surpreendentemente silencioso de que o grupo teria sido vítima pelo gigante da internet. Don´t be evil foi o mote corporativo inventado pelo pessoal que trabalhava no início do Google, em 2000 ou 2001, numa reunião em que se discutiam os “valores” que deveriam nortear a empresa. A ideia era marcar uma diferença com os competidores, os motores de busca da internet mais fortes no mercado à época (Altavista, Yahoo). Essas empresas estavam explorando os usuários ao misturar capciosamente propaganda com resultados da busca. A marca Google queria ser percebida como projeto utópico, idealista e altruísta: organizar o acesso universal à informação e ao conhecimento por meio de uma tecnologia “mágica” livre do bombardeio publicitário sub-reptício, uma espécie de celebração coletiva e consensual do progresso da humanidade. Os inventores do PageRank, o formidável algoritmo que transformou o Google nessa virtual unanimidade do ciberespaço, Sergey Brin e Larry Page, chegaram a escrever um paper acadêmico em Stanford contra os motores de busca vinculados à propaganda.
Isto foi em 1998, e logo os dois começaram a mudar de ideia, ao mesmo tempo em que saiam da garagem que ocupavam e estruturavam a empresa nos moldes capitalistas das startups do Vale do Silício californiano. Hoje o Google é um tubarão-baleia do business digital: as pegadas digitais dos inúmeros cliques diários que fazemos da internet a partir da busca no Google, as páginas que visitamos, os assuntos que nos atraem – são capturadas com o fim de adequar nossos desejos, obsessões e ambições à oferta de produtos e serviços. Se o internauta for além da simples busca e utilizar alguns dos serviços “gratuitos” do grupo – Gmail, Youtube, blogger, Google Drive, Google ClassRoom, Google Earth, entre outros – os detalhes da auscultação dos dados de busca serão mais acurados ainda. O que era o sonho da “universalização do saber” transformou-se no mais esmerado e milimetricamente construído mercado publicitário que se tem notícia. Para alguns, isso tem nome: capitalismo de vigilância.
De acordo com a Wikipedia, o programa Google Earth, mais um serviço supostamente “grátis” para os usuários, chamava-se Earth Viewer – foi desenvolvido pela Keyhole, e engolido em 2004 pelo tubarão, que comprou a empresa. Aí começam os embaraços: nossa querida e insuspeita (?) Wikipedia sequer menciona os antecedentes narrados em “Batalha Bilionária: O Caso Google Earth”. Menciona apenas a produção da Netflix e artigo escrito por um dos fundadores da Keyhole, que nega o roubo, claro. Os criadores da minissérie, produzida na Alemanha – Oliver Ziegenbalg e Robert Thalheim – armaram uma narrativa esperta, indo e voltando entre a batalha jurídica, o clima pós-queda do muro em Berlim e a onda da revolução da internet na década de 1990. E mais: fundiram personagens – a dupla que comanda a ação, Carsten e Juri, representa pelo menos quatro pessoas; utilizaram-se de trechos transcritos do julgamento do caso em Delaware, ocorrido em 2014; e construíram uma tensão subjacente como se fora um filme de faroeste, pequenos justiceiros contra grandes latifundiários.
A junção de índices reais com dramas e impasses dos personagens – o Chaos Computer Club, fundado em Berlim em 12 de setembro de 1981, instância mítica dos hackers alemães, está lá até hoje – foi uma bem-sucedida estratégia que agregou pitadas de verossimilhança à história. A Deutsche Telekom efetivamente financiou o “TerraVision”, produto gerado na Art + Com que embasou o Google Earth: em 1994 o projeto foi apresentado com sucesso na reunião da União Internacional de Telecomunicações, em Quioto. “TerraVision” – um algoritmo de representação espacial até o menor detalhe do globo, semente dos onipresentes aplicativos GPS – é a invenção mais conhecida que saiu das entranhas da Art + Com. O alemão Joachim Sauter, um de seus fundadores, designer e artista digital – e um dos principais propulsores do projeto – relembrou longamente a aventura com os roteiristas Oliver e Robert, mas não viu o resultado final: morreu em julho de 2021 – e a ele foi dedicada a minissérie.
O “traidor” da causa utópica do “TerraVision” leva o nome de Brian Anderson: na “Batalha Bilionária: O Caso Google Earth” ele também é uma “fusão” artística. Na verdade foi um “binômio do mal”, dois programadores/empreendedores que conquistaram, com intenções aparentemente espúrias, a confiança dos jovens ingênuos e otimistas de Berlim, contrabandeando a ideia para a Califórnia. Durante a produção, Oliver e Robert resolveram apostar: não falaram com a mãe de todas as empresas, Google. “Nós apenas corremos o risco, decidindo nomeá-los, e agora veremos. Não sabemos como eles vão reagir ou se vão nos processar.” A conferir.
1 Comentário para "Batalha Bilionária: O Caso Google Earth"
Assisti em dois dias. Série excelente, ao menos para quem trabalha com informática, ou é entusiasta do tema. Tudo muito bem explicado, além dos atores estarem muito bem nos papeis. Além da série, ainda tem os bastidores (também na Netflix) com entrevistas das verdadeiras pessoas da Art+com. Vale muito a pena conhecer essa história real por meio dessa série.