Baile Soul
Olha o groove, olha o groove!
Por Fabricio Duque
Durante a Mostra CineOP 2023
É muito fácil traduzir Cavi Borges. E não, isso não é algo negativo, pelo contrário, a força de sua produção está exatamente na falta de protocolos, formalidades e firulas na criação de suas obras. Ao retirar embalagens, seus filmes encontram uma assinatura orgânica da imagem verdade, mais direta, mais identificada com o conteúdo abordado. Cavi também nunca dispensa uma oportunidade. A ideia de seu mais recente longa-metragem, o documentário “Baile Soul”, filme de abertura da 18a edição da CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto, veio de um prêmio recebido para realizar um série sobre Black Music, que englobaria o Soul, o Funk, o Charme e o Hip Hop. Cada episódio representaria um movimento. No meio desse processo, Cavi resolveu aprofundar mais o universo da Soul Music, que no Brasil durou uma década, de 1969 a 1978, e dessa forma nasceu este filme. “Baile Soul” tem a narrativa clássica dos documentários talking head: imagens de arquivo, filmes referenciados, músicas e entrevistas. Mas a estética daqui que pode soar básica não afasta sua importância, porque sua força reside na própria História e nos desdobramentos rítmicos, sem esquecer dos ruídos, porque são essas interferências que revelam o mais essencial e bruto do material coletado.
“Baile Soul” é um registro histórico. Um documento não só de preservação cultural, mas sim de aprendizado sobre um movimento, que semeou a luta política-social contra o preconceito de cor. Ao iniciar seu filme com o discurso-monólogo (“resolver o racismo com racismo”) da personagem de Antonio Pitanga em “Jardim de Guerra”, de Neville D’Almeida, Cavi recupera memórias dos bailes Soul que fortaleceram o orgulho das pessoas pretas. “Sou pobre, sou preto, sou alguém”. Mas as interferências narrativas não encerram por aí. Além das batidas musicais (sensoriais à experiência auditiva), o documentário referencia outras dez obras cinematográficas que conversam com o tema proposto. “Compasso de espera”, de Antunes filho; “Black Panters”, de Agnès Varda; “Cidade de Deus”, de Fernando Meirelles (quem não lembra do baile soul que acontece na comunidade?); “Duelo de Titãns”, de Cavi Borges e Christian Caselli; “Cleopatra Jones”, de Charles Bail; “Coffy”, de Jack Hill; “Shaft”, de Gordon Parks (um marco por abordar um “James Bond negro”); Wattsax”, de Mel Stuart; “Trem do Soul”, de Clementino Jr.; e “Guarany, Eu Sou o Menino do Cinema Paradiso”, de Aline Castello.
Assim como seu mais genuíno propósito, este documentário acontece pelo o que é falado nos depoimentos. Pelas lembranças afetivas. Pelo choro e excitação da memória. Pelo orgulho de terem feito História. Pelos sofrimentos causados. Pelo atravessamento de épocas. “Na ditadura, as pessoas negras eram as mais afetadas”; as Panteras Negras; discurso sobre os estudos sobre a escravidão; os movimentos civis norte-americanos; as revistas voltadas ao público negro (“um comportamento”), tudo significava conhecimento e fuga da alienação que crescia no país. “Quem tinha noção de inglês, já tinha uma informação a mais e tinha uma galera preta mais descolada”, disse um dos entrevistados, Dom Filó. Entre Big Boy, a festa no Canecão, a novidade da “dança coletiva”, dos “entusiastas” das equipes Soul, e até o porão do Palácio Quintandinha que encontra o “furacão”, tudo fazia a auto-estima do preto aumentar. A potência estava no sentimento de “pertencimento”. Nos bailes, encontrava-se os próximos (“estavam em casa”). “Nossa maior marca: estudar e evoluir. Ganhamos consciência negra”, disse. Sem essa semente desse movimento, eles talvez tivessem mais trabalho para quebrar as barreiras da liberdade existencial. De “assumir o cabelo Black Power”.
Mas é uma frase dita em “Baile Soul” que não só explica todo o movimento referenciado, como consegue resumir as produções de Cavi Borges (que aqui ainda assumiu a função da Seleção musical): “Tem que dançar, dançando”. Sim, os filmes do realizador carioca, em seu manto uniforme de regata e bermuda, ganham o status work progress de cinema guerrilha do “que se pode fazer”. Ao ligar a câmera e ir, Cavi pode se autodenominar um “jovem turco” glauberizado. Assistir seus filmes é imergir um realidade raiz, realista demais, em que não há filtros, reedições e sim o respeito pleno e absoluto pelas histórias, onomatopeias e pensamentos de seus personagens depoentes. É um groove, um ritmo agradável e pronunciado.
“Foi um fenômeno que deu origem aos bailes, que atraíam mais de um milhão de pessoas em vários lugares do subúrbio. O material era muito rico e percebi que dava para fazer um filme. E assim nasceu, quatro anos depois. Essa história ainda não tinha sido contada. “Baile Soul” é um documento com depoimentos inéditos, que registra uma época, um movimento, uma galera, uma geração. É histórico. Os bailes começaram como entretenimento e diversão, mas se tornaram uma semente do movimento negro, de luta contra o racismo, de preservar essa cultura musical e de tudo que a gente vive hoje”, finaliza Cavi Borges ao site Vertentes do Cinema.
1 Comentário para "Baile Soul"
Cavi Borges precisa deixar claro que este filme e uma grande armação e que mais uma vez ele se prejudica no audiovisual carioca e brasileiro. Muitas pessoas estão super magoadas com o famoso diretor Cavi Borges e pouco a pouco dia após dia ele cria mais um monstro para engolir ele. Uma hora a máscara dele irá cair.