Atrapaluz
Memórias do futuro
Por Vitor Velloso
Festival de Locarno 2021
Se uma geração de outrora sentia medo dos avanços tecnológicos, a atual assimilou o digital como parte de sua identidade. A ideia de que o conceito de identidade surge a partir da diferença é a nota que “Atrapaluz” de Kim Torres procura encontrar na protagonista. Uma busca interna por certos significados, onde a sociabilidade é a mediação tecnológica, a intervenção do pixel. De um lado, a personagem encontra alguma expressão na solidão, compartilhando o silêncio com o vazio, de outro, suas tentativas sociais são frustradas por um impulso que não se expõe, mas se compreende.
O plano dela atravessando um túnel lentamente enquanto ouvimos os skates e as conversas de fundo, sintetizam um distanciamento que é compreendido nas sequências de memórias virtuais projetadas no teto, onde três pessoas se movimentam diante da câmera. Nenhuma delas possui características discerníveis, mas elas se divertem e a protagonista apenas fita essa possível lembrança. As mensagens que aparecem na tela mostram o distanciamento da realidade com esse espaço virtual, atravessando a projeção e criando uma base dramática que permanece nas entrelinhas até os minutos finais. Um futuro que não se compreende, sem materialidade, mas que é recheado de representações humanas.
Quando “Atrapaluz” chega na exposição dessa suposta ficção científica, é quando as coisas ficam mais enfadonhas e querem materializar parte desses desejos em uma performance pouco convincente. Não apenas a reflexão diante de um futuro, como a tentativa de tornar-se algo que possui pouca base de funcionamento na obra. Por mais que o espectador consiga enxergar a necessidade da protagonista de tornar-se ciborgue, ainda que já seja (no futuro), as razões para isso são frágeis e tão virtuais que aqueles espaços perdem o sentido. A dança no pump dance parece menos uma transfusão e mais uma tradução pouco racional. Por outro lado, as cenas de uma suposta transformação conseguem uma beleza particular, com uma proposta que realmente nos aproxima da personagem, em recantos da mente que nem a luz consegue distinguir factualmente o que estamos vendo.
Curiosamente, as abstrações são mais eficientes que a tentativa de criar um drama a partir delas e nesse ponto “Atrapaluz” não consegue manter um solo estável.