As Viajantes
Além da imaginação de Gilda
Por Fabricio Duque
Durante o Festival do Rio 2019
Uma das perguntas que nós espectadores imediatamente fazemos ainda durante os créditos finais de “As Viajantes” é o porquê de seu diretor Davi Mello (de “Grilada“, “A Bordo“) não ter prolongado o curta em um longa-metragem, visto o alto grau de complexidade metafísica em seu roteiro, que se desenvolve pela ficção científica existencialista. Nós somos imersos em uma experiência de camadas. Exibido no Festival do Rio 2019, o filme adentra no mistério psicológico. De respostas imagéticas que desestabilizam a percepção do público.
“As Viajantes” pode ser uma loucura personificada e/ou um portal de entrada tridimensional, mas também pode ser a revolta do próprio eu. Ou apenas uma simples e corriqueira viagem no tempo, que, aos olhos mundanos, soa estranho e inexplicável. Talvez, um episódio de “Além da Imaginação” e/ou de “Arquivo X”. Nunca saberemos. Tudo por culpa de seu diretor que não estendeu a trama e deixou seu final aberto em múltiplas interpretações.
Sim, tom espirituoso à parte, talvez esta seja mesmo a maestria do curta-metragem. De instigar, insinuar e desconstruir. As sombras, reflexos na janela, cães que latem lá fora (“os mais magrinhos”) comportam-se como pano de fundo para ouvir conversas, os medos confessados e os “traumas de infância” do “laranjinha” de duas atrizes amigas em um apartamento. Uma delas, “estranha e distante”.
A atmosfera narrativa, que cria a pausada sensação de iminência, com a espontaneidade naturalista de sair e voltar ao quadro da câmera, advém do controle absoluto da direção e do roteiro de Davi Mello. E especialmente pelas interpretações irretocáveis de Gilda Nomacce e Majeca Angelucci, complementados pela força da fotografia de Viktor Ximenes Ferraz e pela música de Tarcísio Pereira. Pronto, uma obra-prima criada.
“As Viajantes” é sobre uma “falha na Matriz”. Uma vírgula deslocada na fenda do tempo. Uma luz scanner que gera o transe e cria duplos. Um desequilíbrio da sintonia, só que com a mesma autonomia pensante e humana. Assim, a ex-machina, de real inteligência artificial, torna-se a mesma pessoa. Uma revolta dos clones? Pois é, uma viagem metafísica que já foi avisado aqui de suas aprofundadas camadas. Nesta história surreal, qual a é verdadeira então?
O curta-metragem é conduzido pela confiança e maturidade da imagem, que envolve o suspense, a curiosidade e a permanência da estranheza. Mesmo que eu quisesse não conseguiria explicar. E melhor, “As Viajantes” não deve, em hipótese alguma, ser traduzido. É um filme para sentir, para se presenciar com a precisa união dos elementos técnicos e da emoção dosada na medida certa. Não há mais, tampouco menos. Redondo, direto, de humor coloquial e um exemplar que sabe concatenar a mise-èn-scene da criação.
Aborda-se a teoria-conceito de se mover para trás e/ou para frente por pontos diferentes no tempo em um modo análogo à mobilidade pelo espaço-tempo. É paradoxal e relativo. E sem nenhuma referência a “De Volta para o Futuro”. Ainda bem. Mas com uma homenagem cinéfila a Marco Dutra e Juliana Rojas. “As Viajantes” é um típica viagem de uma sexta-feira à noite que encontra o realismo fantástico de existências paralelas. Como curiosidade, o filme custou 2500 reais.