Retroalimentação industrial
Por Vitor Velloso
Alguns projetos Hollywoodianos entregam-se já na proposta e na escolha de atrizes, sem fazer qualquer esforço para fugir da obviedade, eles vão construindo a trama em torno de clichês problemáticos ao longo dos anos na indústria e ainda assim rendem quantidades exorbitantes, pois a atriz X ou Y está escalada no filme e é famosa.
“As Trapaceiras” é tudo isso, só que com algumas problematizações que a contemporaneidade irá levantar. Dirigido por Chris Addison, o produto que se dá na tela irá fazer o breve desenho superficial na relação de duas ladras, uma que tem potencial mas não possui o devido treinamento, neste caso, Penny Rust (Rebel Wilson), e outra que já possui toda a preparação possível, Josephine Chesterfield (Anne Hathaway) e pretende passar isso adiante a fim de ter uma comparsa. Os arquétipos básicos se repetem com facilidade e fragilidade pela indústria, a gordinha que aprende as questões mais sofisticadas/avançadas da “arte de roubar”, com uma magra considerada padrão de beleza por todos no mundo.
Acreditando estar saindo minimamente da caixinha, investe-se algum esforço no roteiro em tratar de um certo “empoderamento”, vide ambas reconhecerem que é muito fácil enganar homens, já que esses subestimam as mulheres. Acontece que a ideia já foi trabalhada massivamente nos últimos anos em diversos outros projetos (com a própria Hathaway, exemplo: “Oito Mulheres e Um Segredo”), ainda que não de maneira tão expositiva, às vezes. O conceito só vai incomodar os fálicos compulsivos com tendências graves à autodefesa constante, já que se incomodar com algo que já se popularizou como verdade (e por números práticos), há anos, é aceitar a verossimilhança da ideia.
Addison faz tudo que a boa e velha cartilha diz que deve ser feito, ele é óbvio em suas escolhas de enquadramento, com uma montagem que segue à risca o tempo do mercado, uma trilha que já vimos em diversos longas, personagens igualmente repetidas etc.
O diretor de “As Trapaceiras” não faz o menor esforço em compor algo que destoa, minimamente, da grande maioria, enquanto pode vai se adentrando em um engessamento formal grosseiro que infla a previsibilidade dos acontecimentos e torna a experiência um show de “Já vi isso antes”, com tom monótono, pois até as tentativas cômicas são desperdiçadas com diretrizes de indústria.
Com sorte, Anne Hathaway e Rebel Wilson, são estrelas que sabem chamar atenção de um longa para si, graças o carisma individual, que aqui encontra uma dupla com timing próximo da piada (nada original). E, através da relação dessas atrizes com o público, é que o filme pode ganhar alguma vida, não à toa, todas as conjunturas de marketing e publicidade utilizada pela distribuidora, é nas costas das duas atrizes. Independente da funcionalidade de seus papéis, na trama, é simples compreender o que nos leva a criar empatia por eles, o próprio clichê que as acompanha, seguido da repetição de personagens já vividos por ambas, torna familiar tudo aquilo que deveria ser um longa novo.
Não trata-se, necessariamente, de uma ligação à mediocridade geral, com boa vontade, mas de uma questão recorrente em Hollywood, a retroalimentação de projetos que não se vendem sozinhos, eles são parte de uma agenda calculada da produtora, de dinheiro garantido, excluindo os “filmes arriscados” em outro cronograma, para serem sustentados pelo sucesso de “As Trapaceiras”, por exemplo.
Logo, não há originalidade ou qualquer busca na experiência em geral, apenas cifras. E claro, a funcionalidade é próxima à do fast food, é para ser consumido rápido, não há nada além do que se vê, não é gostoso, mas todos insistem nisso por praticidade. Neste caso, o público deseja um entretenimento com rostos conhecidos, piadas repetidas e uma garantia que além de gostar e dar umas risadas, ele poderá estar “um passo além do filme”, pois saberá o que irá acontecer, exceto uma virada no roteiro ou outra.
Infelizmente, a maioria dos filmes que são lançadas comercialmente no Brasil, e no mundo, entram nessa lógica de mercado, onde a sustentação é feita pelo rápido preparo. É impossível competir, com a conjuntura política atual, já que o entreguismo cultural é uma realidade antiga, porém extinguir nossos meios de produção e, consequentemente, enfraquecer nossa distribuição (que já era uma piada), apenas facilita que “As Trapaceiras” sempre esteja à frente nas bilheterias. E o pior, que o público brasileiro enxergue nestes produtos, um modelo que o cinema nacional deveria seguir… Segue o baile da colonização.