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Crítica: As Canções


Ficha Técnica
Diretor: Eduardo Coutinho
Roteiro: Eduardo Coutinho
Elenco: Documentário
Produção: João Moreira Salles, Maurício Andrade Ramos
Fotografia: Jacques Cheuiche
Edição: Jordana Berg
Distribuidora: Espaço Filmes
Estúdio: Video Filmes
Duração: 90 minutos
País: Brasil
Ano: 2011
COTAÇÃO: REGULAR
A opinião
Eduardo Coutinho, considerado um dos maiores documentaristas brasileiros, apresenta o seu mais recente projeto. “As Canções” conta a historia de pessoas comuns pelas canções que marcaram as suas vidas. O cineasta – de “Cabra Marcado Para Morrer”, “Edifício Master”, “Santo Forte”, “Babilônia 2000” – deseja unir emoção e lembrança dos entrevistados, que se comportam como material bruto, intrínseco a quase todo gênero documentário. Coutinho resolveu “revolucionar” e realizou “Jogo de Cena”, mesclando ficção e realidade, escalando atores, como Marília Pêra e Fernanda Torres. As histórias eram interpretadas por profissionais a sétima arte tendo como base fatos verídicos, pelo menos considerado assim, já que há no ditado popular, complemento de Machado de Assis, “Quem conta um conto, aumenta um ponto”. A tendência de um contador comum, o indivíduo, é sempre florear a história que está descrevendo, com inúmeros detalhes, muitas vezes partindo-se apenas de supostas lembranças. Até que ponto o que se conta é totalmente verdade? Será que em momento algum não há uma inserção inventada? Este discurso questionar serve de parâmetro a fim de que possamos analisar o novo documentário do diretor. É inevitável que o ser humano ao ser confrontado a frente de uma câmera, com luz projetada, forneça a si mesmo uma produção visual e estética, mesmo em pequena proporção. Arruma-se o cabelo, maquia-se, senta-se na cadeira de forma reta e imponente, diferente do que realmente acontece no dia-a-dia, visto que preocupações como esta são esquecidas.
O tema levantado atinge o estudo antropológico. O individuo em seu cotidiano convive com pessoas parecendo não se dar conta, porém quando um instrumento, que eterniza momentos, é ligado, o foco muda de figura, personificando-se num jogo de manipulação e julgamento que faz perder o fôlego até o maior dos céticos. Há vergonha, timidez, nervosismo, rebuscamento da língua falada e uma altivez generalizada. A pergunta pulula o imaginário dos que assistem: Será que podemos acreditar em tudo o que se diz? Será que não há nesta pseudo-realidade uma ficção? Outro ponto relevante é a quantidade de “serás” que o gênero em questão desencadeia. A narrativa de “As Canções” é um único cenário de bastidores de teatro, que deseja transpassar a metáfora que as histórias (e as canções) comportam-se como parte integrante do espetáculo das vidas retratadas. O depoente entra, meio sem jeito, senta na cadeira, tendo uma cortina negra atrás, e é levado ao bombardeio de perguntas sentimentais que Coutinho faz. O diretor tenta, friamente, despertar a emoção adormecida, buscando a catarse da lágrima e a explosão do sofrimento.
“Falar sobre isso liberta. É como se fosse virar uma página”, diz-se mais ou menos assim, com uma sutil mudança editorial. A visão do espectador é direcionada ao entendimento de que o que vê é uma terapia. Porém a forma como esta “sessão psicanalítica” é abordada destoa da imparcialidade, procurando a resposta de efeito, sentimental, dramática, soando clichê e desnecessária. Então, nós temos uma repetição, no mesmo objetivo desejado, que já não é mais ingênua e com tom amador, mas sim de uma latente pretensão, que danifica o excelente argumento contextual. A idéia inicial é extremamente inovadora. Utilizar-se de musicas para extrair lembranças e histórias é fascinante. “Um documentário que se interessa profundamente em ouvir seus personagens. Nele, os entrevistados cantam músicas que marcaram sua trajetória de alguma forma e explicam por que aquelas se transformaram nas canções de suas vidas”, explicita-se a sinopse. Concluindo, um documentário que incomoda, não pelo material humano, de gente simples e com emoção à flor da pele, mas pela forma como estes personagens reais são conduzidos. Um filme que merece ser visto, mesmo não sendo recomendado. Vencedor de Melhor Documentário no Festival do Rio 2011.
Foto: Domingos Peixoto
O Diretor
Eduardo Coutinho nasceu em São Paulo, 11 de maio de 1933. Cursou Direito, mas não concluiu. Em 1954, aos 21 anos, teve seu primeiro contato com cinema no Seminário promovido pelo MASP e dirigido por Marcos Marguliès. Trabalhou como revisor na revista Visão (1954-57) e dirigiu, no teatro, uma montagem da peça infantil “Pluft, o Fantasminha”, de Maria Clara Machado. Ganhou um concurso de televisão respondendo perguntas sobre Charles Chaplin. Com o dinheiro do prêmio, foi para a França estudar direção e montagem no IDHEC, onde realizou seus primeiros documentários.
Seu trabalho caracteriza-se pela sensibilidade e pela capacidade de ouvir o outro, registrando as emoções e aspirações das pessoas comuns, sejam camponeses diante de processos históricos (Cabra Marcado para Morrer), moradores de um enorme condomínio de baixa classe média no Rio de Janeiro (Edifício Master), metalúrgicos que conviveram com o então sindicalista Luis Inácio Lula da Silva (Peões), etc.
Em 1981, Coutinho reencontrou os negativos de Cabra Marcado para Morrer, que haviam sido escondidos da polícia por um membro da equipe, e resolveu retomar o projeto. Conseguiu localizar Elizabeth Teixeira em São Rafael, no interior do Rio Grande do Norte, mostrou-lhe o que havia sido filmado em 1964 e filmou o depoimento dela sobre a dispersão de sua família após a interrupção do filme. A partir daí, a “ficção baseada em fatos reais” transforma-se num dos mais extraordinários documentários jamais filmados, retratando e acompanhando as tentativas de Elizabeth por reencontrar seus filhos, em diferentes pontos do país, e refletindo sobre o que aconteceu com a sociedade brasileira no longo período da ditadura militar. O filme ficou pronto em 1984 e ganhou 12 prêmios em festivais internacionais, no Rio de Janeiro, Havana, Paris, Berlim, Setúbal, etc.
Após o sucesso de Cabra marcado para morrer, Coutinho afastou-se do Globo Repórter e passou alguns anos trabalhando com documentários em vídeo para o CECIP (Centro de Criação da Imagem Popular), com temas ligados a cidadania e educação. São dessa época projetos como Santa Marta e Boca de lixo, visões humanistas e pessoais sobre indivíduos e populações marginalizadas. Também escreveu roteiros para séries documentais da TV Manchete, como “90 Anos de Cinema Brasileiro” e “Caminhos da Sobrevivência” (sobre a poluição em São Paulo). Em 1988, com o centenário da Abolição da Escravatura, foi estimulado pela então Secretária de Cultura do Rio de Janeiro, Aspásia Camargo, a realizar um documentário sobre a população negra na História do Brasil. O Fio da Memória, centrado na figura do artista popular Gabriel Joaquim dos Santos, só viria a ser concluído três anos mais tarde, com o apoio das emissoras de televisão La Sept (França) e Channel Four (Inglaterra). Em 2004, a pesquisadora Consuelo Lins publicou, pela editora Zahar, O Documentário de Eduardo Coutinho.

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