Artista do Desastre
Quem acredita, sempre alcança!
Por Fabricio Duque
Talvez um dos segredos de sucesso de um filme esteja mesmo na percepção do “menos é mais” e de permitir que sua narrativa exista na despretensão. O ator, agora diretor, James Franco (de “Good Time Max”, “Interior. Leather Bar.”), em “Artista do Desastre”, lapidou esta ideia e construiu uma livre obra única, que se sustenta pelo próprio argumento, mesmo com inferências-referências ao universo dos anos setenta e de Ed Wood, esta última muito por causa de sua homenagem a “The Room”, de Tommy Wiseau (primeiro trabalho como produtor, diretor, roteirista e ator), cujo longa-metragem é considerado o pior filme do mundo.
“Artista do Desastre” segue a estrutura de Mockumentary, um falso documentário. E a maestria está em não se explicar seu propósito, fazendo com que o espectador entenda o caminho durante o tempo de exibição. Em um primeiro momento, nossos olhares recriminam as explícitas fragilidades de um roteiro infantilizado, que exagera a caricatura interpretativa de James Franco (um dos atores em cena, na verdade, o protagonista), de tom forçado, demasiadamente teatral, de fotografia saturada a uma nostalgia atemporal de filme antigo envelhecido.
O filme persiste nas sequências de transformar James em um péssimo ator, que “acredita” demais em seu talento (tanto que encena em qualquer lugar, até mesmo em um restaurante lotado, causando vergonha), que expõe a falta de seu dom, e que se “dedica” para ser um novo Marlon Brando (“Stella!”, encena “Um Bonde Chamado Desejo”, de Elia Kazan, com roteiro de Tennessee Williams) e um ator conceituado em Shakespeare. “Não ter vergonha ou vaidade”, diz e complementa que o filme “Esqueceram de Mim” mudou sua vida a ser um artista.
Greg Sestero (o irmão mais novo de James, Dave Franco, do seriado “Easy” e dos filmes “Vizinhos 1 e 2”, “O Solteirão”) se aproxima do “louco excêntrico” Tommy Wiseau após uma aula de atuação e os dois desenvolvem uma intensa amizade ancorada no sonho em comum de fazer sucesso nas artes dramáticas. Juntos eles partem para Hollywood. Tommy, cansado de ser rejeitado em testes, decide produzir, financiar, dirigir, escrever e protagonizar – ao lado do melhor amigo – o longa-metragem que o catapultará ao estrelato: “The Room”.
Sem sabermos o que é apresentado em tela, o público, por conivência e cumplicidade, entrega-se ao riso pelo excesso de humor pastelão. “Ser o melhor e nunca desistir”, diz-se. Sim, é um desastre completo. O sonho (Tommy nunca esquece) é conhecer James Dean (por causa de “Vidas Amargas”, de Elia Kazan – “Você terá que ir até Dean! Se Maomé não vai a Montanha…”) e “não é artificial porque come pizza” e “quer o próprio planeta”.
Então, o público entende a direção que o filme toma. Mas espere a surpresa no final. Tommy não tem talento. Apenas não dúvida nunca de si. Com sua risada engraçada-sarcástica de efeito, seu fascínio por Los Angeles, seu mistério quanto sua riqueza, ele tenta cada vez com mais afinco. Entre “Sharon Stone velha”; a música “Rhythm Of The Night (1993)”, de Corona; uma inferência ao seriado “Glow”; a referência a “Gilmore Girls”; ao método do Sistema Stanislavski; o querer de ser “herói”; o novo filme “Star Wars”; tudo constrói a ambiência de homenagem-deboche.E em um clique, captamos que tudo é proposital em “Artista do Desastre”: o tom exageradamente acima; e a tendência imediata ao riso fácil. “Só porque acredita, não vai acontecer”, diz-se.
“Se Hollywood nos rejeitar, nós fazemos”, impõe-se com “barba mal feita”. Ele não “quer ser bom, quer ser grande”. É passível, carente e beira o patético, passando pelo “ousado” Zac Efron. Mas como foi dito tudo tem um porquê para acontecer. Acredite! “A Vida não é um Set fechado”, diz-se. “Diretor tem que ser ditador. Kubrick e Hitchcock atormentavam os atores”, complementa.
“Até um péssimo dia no Set é melhor que qualquer outro lugar”, filosofa-se decretando sua paixão incondicional de que se não for isso, nada será. Um dos pontos altos de estreitar e criticar a indústria do cinema acontece por suas participações especiais, como Bryan Cranston (do seriado “The Middle” e “Breaking Bad”).
“Artista do Desastre”, que concorre ao Globo de Ouro 2018, é Tommy em sua completitude idiossincrática. É real e intenso. E que “apaga o dia de hoje da memória” para viver outro amanhã. “Cinema é emoção”, finaliza-se apresentando ao espectador uma surpresa que explica milimétrica e cirurgicamente todos os detalhes abordados. E é neste exato momento, com seu epílogo, que somos agraciados a maestria da criação. É a homenagem pura e simples. Livre e despretensiosa. Que faz o cinema sempre existir e nunca sucumbir às padronizações pululantes no reino atual. Uma pequena obra-prima de gigante e extraordinário significado sobre a verdadeira história por trás da produção de The Room, um clássico cult chamado de “o Cidadão Kane dos filmes ruins”.
Desde seu lançamento em 2003, o filme vem cativando o público no circuito midnight com sua história desconjuntada, atuações dissonantes e diálogos inexplicáveis. Cada faceta do filme impressiona, assim como a misteriosa e magnética performance de seu criador e protagonista, Tommy Wiseau. Este filme reconta a produção a partir das lembranças de Greg Sestero, amigo de Wiseau e co-estrela relutante do longa.