Aranha
A classe que copiava
Por Vitor Velloso
Durante a Mostra de São Paulo 2020
“Aranha” de Andrés Wood é um projeto que se encaixa bem na “Perspectiva Internacional” da Mostra de São Paulo, não por criar uma noção em torno da produção chilena, mas demonstrando que há uma necessidade constante de aproximar o filme de uma estrutura internacionalizante. O cartaz do filme já entrega o tipo de abordagem, é um esqueleto norte-americano, tratando de um secção da História política latino-americana, escolhendo como eixo primordial, um triângulo amoroso e um conflito direto entre passado e presente. É uma narrativa convencional, que se articula em torno desse romance e de costuras mais contemporâneas, dando um breve retrato do reacionários, fascistas, ao longo do tempo. O longa não cria esforços para se distanciar dos modelos de produção padrões, seguindo ao pé da letra, a proposta formulaica que vimos se estabelecer com o passar dos anos. Cada virada na narrativa para ser dada em perspectiva de como angariar o público para aquela trama “eloquente” do triângulo amoroso. Mas o tédio ganha conta do projeto, é um dramalhão sem fim, onde parte da História do Chile é debatida a partir dessas representações dramáticas absolutamente frágeis.
É difícil se importar com os personagens, ou mesmo lembrar qual a função dos mesmos na trama, para além de criar essa tensão melosa. Uma manutenção burguesa das produções latino-americanas, disfarçado de progressista por representar arquétipos de quinta dos reacionários e conservadores. Sendo tão inofensivo, que não é capaz de desconstruir esse nacionalismo em facetas múltiplas, atendo-se apenas ao extremismo, claro, assim não perderemos os espectadores conservadores (não-extremistas), que não irão se enxergar ali. Raciocínio lógico, afinal, “jamais atiraria um carro em um assaltante”. Ou seja, é o processo conciliatório das classes, tendo em vista essa perspectiva que mira as cifras internacionais, criando romances e sexo e beijos, explosões, fascismo e tiros. É uma bagunça sem fim. Um retrato decadente dessa produção comercial, que possui seus altos e baixos na América Latina.
Caio Blat parece estar de passagem pelo filme, deve ter sido uma garantia de coprodução. O ator poderia facilmente ter tido mais relevância na narrativa, inclusive como um possível fio condutor de didatismo para o grande público. Em tornos dos males que o grupo causa, para além da violência explícita e discursos anticomunistas. Novamente… Falta muita coragem ao longa, que tenta se distanciar do centro possível das discussões materialistas e de classe. E essa postura pouco incisiva com seus desdobramentos dramáticos acabam facilitando o processo para que as cenas de amor e sofrimento pelo parceiro, se estendam e ganhem a tônica do longa. O desinteresse pelo desenrolar da história passa a ganhar corpo e cada virada no roteiro, é um bocejo novo para o espectador.
“Aranha” é um modelo pré-concebido de estilo cinematográfico, onde as funções dramáticas do roteiro são definidas com as relações financeiras durante seu período de distribuição e exibição. E ainda que não seja um caos absoluto, a desorganização com os modos de conceber a política, a classe e o romance inócuo, causa um vácuo terrível na obra, sendo um desafio se manter minimamente interessado pelos fins de seus personagens, unilaterais. Ao fim, podemos divagar sobre como nada daquilo realmente interessa e o contexto político vira pano de fundo para a pirotecnia burguesa no cinema e toda uma manutenção de produção, distribuição e exibição. O fato curioso é que não importa muito como a obra se refere às suas temáticas, mas sim que temáticas são essas e em qual país foi produzido. É “chique acompanhar o cinema latino-americano, em especial o argentino”. Frase que já escutei aos montes nos cinemas da Zona Sul Carioca.
E quando digo ser um bom nome para lembrarmos da “Perspectiva Internacional” na Mostra de São Paulo, lembro que só esse ano tivemos um institucional para um deputado estadual, um filme burguês que se veste de aristocrata a fim de criticar a burguesia, outro que acerta o ilusionismo antimaterialista burguês de construção de espaço. Claro, que os outros não faziam parte dessa Mostra, necessariamente, para dá um bom tom para como tá essa Edição. Não surpreende, mas demonstra a fragilidade e as necessidades de autopromoção da classe, para receber uma distribuição corpulenta.