Curta Paranagua 2024

Aquilo Que Eu Nunca Perdi

O ritmo e liberdades

Por Vitor Velloso

Durante o CineOP 2021

Aquilo Que Eu Nunca Perdi

“Aquilo Que Eu Nunca Perdi” de Marina Thomé é um documentário que procura a personalidade de Alzira E no processo criativo, em seu tesão pela vida e os encontros musicais. A obra conta com diversos materiais de arquivo que ajudam a contar parte da trajetória da artista e a costura com sua voz em off é de um vigor profundo. Não apenas por um carisma fora do comum, como por uma montagem que sabe trabalhar esse material de forma que haja uma recompensa direta. 

Essa construção é feita na cadência de suas músicas, como um ritmo flutuante que vai indo até chegar algum depoimento ou filmagem que interrompe esse fluxo. Mas nada parece por acaso, pelo contrário, o filme é bastante econômico nesse sentido, o trecho com Barnabé possui uma relação direta com parte das histórias contadas anteriormente, ali resgatadas em notas. Os trechos com Ney Matogrosso e Almir também caminham nesse campo. Com o atravessar de algumas canções, o documentário vai ganhando o tom pessoal que as conversas expõem e se torna um movimento contínuo. 

Quando sua história é contada, o material não aparece como um dispositivo nostálgico, sendo evocado para auxiliar uma contextualização mais imediata. E por essa razão “Aquilo Que Eu Nunca Perdi” se consolida com a progressão, pois não perde o norte que almeja desde o princípio. Mais que uma homenagem à artista, o projeto tenta compreender seu processo criativo, que em parte é evocado como “matemático”. Essa irreverência diante das padronizações que a vida impõe, são suas digressões e descrições de luta enquanto mulher livre. Aqui, o longa tenta construir a partir de alguns registros que esse sentimento vem de um tesão intenso que a idade amadureceu. Não por acaso parte dos arquivos são introduzidos para que o espectador possa compreender a mudança na própria forma musical, como o maior campo de sua criação. A transa com o passado está além de uma questão temporal didática, há um percurso claro dos lugares por onde passou que se materializam na tela a partir das relações políticas do momento. 

Assim, Alzira vai contando detalhes que enriquecem um retrato biográfico complexo e repleto de musicalidade, onde a geografia é essencial no entendimento pleno de sua própria personalidade. Algumas escolhas formais durante as performances da artista são interessantes para tentar quebrar um certo rigor no caráter documental expositivo, sobreposições, uma montagem mais acelerada, onde as imagens de apoio procuram uma transa através do movimento, de cores. Essa pequena digressão ocorre em momentos curtos, mas são importantes para quebrar uma certa monotonia programática que está presente na linguagem. Não tem como negar que parte da proposta é bastante padronizada. Ao mesmo tempo, não é possível afirmar que tudo está engessado, afinal a utilização de material de arquivo é mais consciente que grande parte das produções, já que assimila o contexto com registros múltiplos, expondo um caráter material dessa trajetória, através da mídia e de outras representações. 

Os relatos da falência moral da política brasileira, falando de abusos e agressões contra as mulheres, é um momento que retorna à realidade com uma força mais concreta. E “Aquilo Que Eu Nunca Perdi” expõe uma silhueta em meio à natureza, que descreve esse sofrimento. É uma escolha formal ambígua, por fixar esse depoimento gravíssimo mas fazê-lo como suspensão da própria imagem, com uma trilha que procura esse místico na paisagem, introduzindo a protagonista no quadro, sem iluminar seu rosto. Se a decisão surge de uma proposta ética diante da produção, é bastante compreensível. Mas o atravessamento da matéria com esse “simbolismo” da natureza, é um tanto dicotômico. 

Com uma família de talento ímpar, relações das mais diversas e histórias que levam o espectador por uma memória de diversas possibilidades de reflexão, o documentário é interessante em boa parte da projeção, perde ritmo em outros e possui altos e baixos que comprometem um pouco a experiência. Mas Alzira E, nunca deixa de marcar presença. 

3 Nota do Crítico 5 1

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