Apocalipse nos Trópicos
O Sucessor
Por Vitor Velloso
Assistido durante o Festival do Rio 2024
Seguindo os rastros de “Democracia em Vertigem”, a cineasta Petra Costa desenvolve “Apocalipse nos Trópicos” na intenção de compreender e debater a relação direta entre a política brasileira e a religião, com o crescimento da ideologia de base fundamentalista. Assim como em seu projeto anterior, Petra ambiciona uma discussão complexa, com relações concretas difíceis de dimensionar ou mapear, e novamente a diretora opta por sua abordagem pessoal, intimista e muitas vezes superficial. Não por acaso sua escolha de utilizar o telepastor político Silas Malafaia para guiar parte do filme, talvez seja uma das melhores decisões do documentário, pois permite uma discussão dialética, com tensões e vetores opostos, através de um recorte tão particular como o proposto.
Nesse sentido, é interessante o caminho crítico que é traçado inicialmente, justamente por não se permitir o olhar obscuro, fatalista e idealista que havia no filme anterior. Porém, Petra torna a criar um retrato estranho do Brasil, internalizado e com perspectiva distorcida, procurando encontrar respostas extraordinárias através de recortes limitantes. Essa característica tem marcado o cinema da cineasta, uma predileção por objetos extensos e de importância ímpar para a sociedade brasileira, mas que são limitados por um território turvo de afirmações e conexões questionáveis, quando não ingênuas. Essa compreensão do objeto acaba afetando toda a estrutura do filme, pois toda a teologia apocalíptica aparece em duas faces, no personagem de Silas, e no discurso presente na obra, além de provocar sensações particularmente estranhas quando fica claro que o documentário não é capaz de dimensionar os verdadeiros problemas dessa ascensão, formas de política e de poder. Talvez por uma falta de perspectiva acerca da realidade brasileira, “Apocalipse nos Trópicos” distorça a realidade concreta a seu favor, para caber no discurso intimista e particular.
E essa questão é particularmente grave, pois além de uma exposição conturbada da problemática entre política x religião x sociedade, há uma ingenuidade estrutural em categorizar tópicos como contextuais, quando são sistemáticos e vice-versa. Por um lado, a perspectiva construída no filme, tem algum mérito através da montagem em conseguir correlacionar eventos, pessoas e discursos de forma relativamente orgânica, dentro da perspectiva do documentário, mas também há uma necessidade de dilatar ou recortar situações para melhor adequação nesse fluxo de imagens e discursos. De toda forma, a montagem é capaz de trazer as memórias do contexto do governo anterior, da pandemia e de algumas cenas realmente marcantes da política recente com alguma facilidade e isso reflete em nossa perspectiva em torno da realidade que o filme procura traçar, pois além de nos convidar a reviver parte desse contexto, provoca um incômodo revoltante. Essa intenção de gerar desconforto, funciona bem, sendo capaz de fazer o público se revirar no cinema, mas novamente encontra dificuldade em progredir de forma reflexiva, pois seu recorte é tendenciosamente direcionado para uma conclusão fatalista e trágica. Por essa razão, a escolha de Silas como anfitrião de um palco tão caótico da história brasileira é tão interessante, pois cria a possibilidade reflexionar acerca das diferentes perspectivas e estratégias de políticas que teoricamente compartilham da mesma falsa consciência, ou seja, ideologia, e que dividem o mesmo espectro moral, político e eleitoral.
Assim, “Apocalipse nos Trópicos” se apresenta como sucessor espiritual e moral de “Democracia em Vertigem” seguindo uma estrutura muito parecida, com reflexões próximas, mas que sofre dos mesmos problemas, pendendo para a criação de recortes drástico que são realizados para suprir uma argumentação ou hipótese da cineasta e não uma reflexão crítica da realidade concreta. Não por acaso, as críticas, a ambos espectros, sempre soa ingênua e carregada de uma ideologia particularista, com tendência à generalização e categorização. Enquanto exposição de caso, pode até funcionar para criar uma impressão de impacto, especialmente para quem não está familiarizado com a realidade política e eleitoral brasileira, mas carece de uma reflexão profunda de suas temáticas, permanecendo a maior parte do tempo de projeção na superfície. Com mais cuidado nos recortes, afirmações e apontamentos, o filme seria capaz de gerar alguns questionamentos que somariam para compreensão do contexto e estrutura política brasileira, mas acaba se encerrando em um longo discurso de percepções, quando não particulares, tão expositivas que retiram a força do documentário.