Anos 90
Uma casual crônica do amadurecimento
Por Fabricio Duque
Se os anos oitenta representou a liberdade inocente de ser quem quisesse ser, os anos noventa foi um portal de mudanças comportamentais a nova era de solidões potencializadas. Na estreia da direção do ator Jonah Hill (que veio da comédia pastelão constrangedora em “É o Fim”, “Superbad” e que buscou um upgrade com “O Lobo de Wall Street”, “A Pé Ele Não Vai Longe”, e a série “Maniac”), “Anos 90” é uma casual crônica do amadurecimento no meio da década transição, envolta em uma atmosfera de punk e gentrificação de Los Angeles. Seu protagonista Stevie, um pré-adolescente de treze anos, é imerso em golpes duros para aprender a viver na hostilidade e perdição do meio a seu redor. Numa “onda de mutilação” à moda das letras da música de The Mamas and the Papas em “Dedicated to the One I Love”. E “aproveita” o verão para, obrigado pelo destino-acaso, modificar toda sua personalidade existencial. O filme, um grito urgente e catártico de jovens em construção identitária, como um pedido explícito e direto de ajuda, conduz seu público por uma narrativa de espontaneidade editada.
“Anos 90” é sobre a necropsia de um mundo cão, traduzido por um intimista estudo de caso extremamente inocente observado por hipotéticos diálogos sem sentido, quase “idiotas”. Tudo é captado pelo olhar ingênuo demais de uma câmera que pulula gatilhos comuns e obviedades para criar um tempo amador, para assim expor dramas disfuncionais e retro-alimentados pela repetição dos erros. Como se não houvesse outra opção senão perpetuar o errado. Um dos pontos que se precisa analisar é a construção da personagem de Stevie (o ator e skatista Sunny Suljic) que adentra obrigatoriamente em um processo de crescimento. Orgânico, físico e metafórico nas “manobras” do skate. Ele, carente de afeto, começa fazendo de tudo para manter seu lado cavalheiro de bom moço, apesar de suas adversidades familiares: sua mãe (a atriz Katherine Waterston) “namoradeira” e seu irmão (o ator Lucas Hedges) mercenário-violento (com máscara à moda de “Caçadores de Emoção”, de Kathryn Bigelow).
O “pirralho” Stevie, encantado com o novo mundo, encontra uma solução para se enturmar e vencer sua vulnerável timidez. Encontra sua tribo. Uma nova família que o acolhe, que o ensina a transpassar barreiras e principalmente que o estimula a experimentar drogas, bebida, sexo (alguém para “mexer em seu negocinho”) e a raiva defensiva para proteger seus medos. Aprende que “agradecer pode parecer que é gay”. E que reverbera o jogo do não se ofender, fortalecendo assim o caráter e a minimização das reações sensíveis e dramáticas. Cada vez o filme nos aproxima da ambiência de “Kids”, do diretor Gus van Sant, mas aqui é conservado o elemento máximo da pureza e suavizado a desgraça, permitindo inclusive a redenção e o final feliz. “Anos 90” busca a naturalidade por uma atmosfera “trombadinha” de ferrados à margem da sociedade (pequenos delitos contra “ignorantes” e contra “fofoqueiros”), que não demonstram limites e respeito nem mesmo por policiais. Eles precisam “manter a fama de mau” e sempre “guardar percepções pensantes para si”.
É sobre fragmentos dos instantes vividos. Um diário. De estar em um maniqueísta conflito, questionando o que o deixa mais confortável: o correto de almejar o amor de todos ou ser rebelde? O longa-metragem caminha para encontrar o equilíbrio no meio de informações e estímulos demasiados. É difícil crescer assim. Na verdade, amadurecer é um processo árduo, precisando provar sempre a re-aprovação sendo “doido”, entre conflitos de interesses e “babacas”. Stevie, fofo, é a representação de todo e qualquer pré-adolescente: desencaixado, desenquadrado e fora de tempo e espaço. Que ainda acredita que se um “médico prescrever um remédio, não tem como fazer mal”. É sobre as lições-ensinamentos da vida, como por exemplo, a de se olharmos o armário dos outros, encontraremos outros problemas e nos damos conta de que não queremos trocar nossas vidas. Ele precisa lidar e entender. Com ou sem trilha sonora de Morrissey em “We’ll Let You Know”. Ou que sorrisos podem aumentar a hostilidade.
Stevie aprende a dosar revolta, atitude, imposição de território, sagacidade e a se defender com o que tem nas mãos. Embalado pelas músicas dos grupos Nirvana, Seal, Pixies, Misfits, entre tantos outros. “Anos 90”, apesar de seus gatilhos comuns e da ingenuidade da direção de Jonah Hill, vai ganhando o espectador na sutileza crescente e desenvolvida dos detalhes interpretativos, que transformam amadorismo em elemento intrínseco de abordagem comportamental.