Amor da Minha Vida
Quero um amor maior, amor maior que eu
Por Fabricio Duque
A plataforma de streaming Star Plus, hospedada na Disney Plus, lançou sexta-feira passada mais um seriado brasileiro, “Amor da Minha Vida”, e deu tanta liberdade de criação, roteiro e direção para Matheus Souza, ao lado de René Sampaio na direção geral, que foi preciso colocar classificação indicativa para dezoito anos. Seu autor, Matheus Souza, imprime aqui toda sua bagagem coletada de análises cognitivas (do micro no macro e do macro no micro) para assim corroborar sua característica mais estrutural: a de construir uma narrativa de comédia existencialista de situações cotidianas, em que a atmosfera acontece no timing cirúrgico dos acontecimentos, entre piadas, referências pop, acasos e tomadas de decisões. Um olhar clínico observacional quase antropológico. Segue-se então a linha das idiossincrasias comportamentais, que quer embasar o lado humano dos erros, traições, impulsos, imaturidades, dos acertos temporários e das imperfeições inerentes.
Em “Amor da Minha Vida”, o que se vê, percebe e se sente é a própria vida acontecendo. Suas personagens expressam sonhos, sortes, anseios, desejos, “cagadas”, dúvidas, hesitações, medos e vulnerabilidades de forma naturalista. Seus excessos não são sensíveis, açucarados e bregas, e condensam toda uma força emocional verdadeira, real e possível ao “receber” e lidar com as histórias. Aqui, essa narrativa busca a normalidade das reações e reviravoltas, e, em muitos casos, corta abruptamente com alguma tirada, com algum detalhe externo, conectivo e perspicaz, que sai do momento e “abre a porta” para a interferência. Essa bagagem de Matheus, que pode ser traduzida como uma versão modernizada do escritor dramaturgo Domingos de Oliveira (este que transformava qualquer drama existencial em humor definidor – soando até mesmo como surreal) e/ou como uma versão bem mais carioca de Woody Allen e/ou como uma novela da vida real bem menos encenado e bem mais sincera para com suas essências triviais, intrínsecas e genuínas.
É, assim, um sonho gastronômico de padaria, por exemplo, não cai no clichê de ser usado apenas como uma metáfora, mas quer significar um detalhe, um conhecimento vivido e íntimo de um casal, que experiencia uma série de memórias afetivas. E/ou alguma outra mania que nós de fora nunca entenderemos. Ao retirar essas amarras do “ter que seguir a fórmula já pronta”, mas ainda assim manter uma aura de esperança de se encontrar o amor da vida, “Amor da Minha Vida” consegue criar profundidade quando conta a história de duas pessoas e todas as causas e porquês de suas desilusões amorosas, no “caminho processo” de viver um grande amor (e sentir paz, equilíbrio e fluidez). Sim, é inevitável que obras assim não nos despertem “coisas”: sentimentos estranhos, sensações de identificação (como uma ideia de inveja: “eu quero isso também”) e especialmente gatilhos. Sim, o amor é algo bem inexplicável, quase tóxico, visto que domina todo nosso corpo e todas as nossas vontades.
Diferente dos outros filmes deste gênero, aqui suas personagens não são reduzidas em estereótipos, tampouco nivelados pela futilidade, pela idiotização e pela dependência de outras personagens “escadas”. São apenas jovens, ainda em transição à fase adulta “real”, que se comunica por gírias e vivências do meio. É, em “Amor da Minha Vida”, Matheus se preocupa em colocar todas essas personagens no mesmo patamar de importância (lógico que os protagonistas – interpretados por Bruna Marquezine e Sérgio Malheiros – ganham muito mais tempo de tela, óbvio e necessário), “usando” suas incompatibilidades e contradições como material bruto a ser trabalhado. Incluindo até um “Coordenador de Intimidade” na equipe de Preparação de Elenco. Saber fazer hambúrguer, ter um loja de luminárias, mas gostar de “Exaltasamba” e Reality Shows. Há também uma ingênua arrogância e um imediatismo que não enxerga o todo, só o detalhe. Mas tudo isso é desenvolvido pela confissão e pela verdade. Parece não haver uma comprovação de perfeição. Pelo contrário, as falhas são qualidades a unicidade do ser.
Precisamos levar em conta que “Amor da Minha Vida” é um seriado e como tal também acontece por núcleos. Cada um experimenta opções da vida, em que se analisa e se decide se é válido ou não para se ter. Contudo, cada um possui também um enraizamento da própria ideia do que é o amor. Do que é um relacionamento. Se nós entendermos que a monogamia é cultural e não elemento biológico, então seguiremos por outro caminho. Outro ponto de visto mais adulto. Mas ainda que livres cada um desses seres traz embutido o conservadorismo do amor perfeito. Do casamento conto de fadas. E olha que paradoxo: a série ser da Disney e questionar o próprio ato do amar imperfeito. Não totalmente, porque no final, bem no final mesmo a “ordem” é restaurada e zerada ao final feliz. “Amor da Minha Vida” é diferente por desconstruir a idealização de que a “princesa não peida”. E não ronca. Vale à pena maratonar os dez episódios de mais ou menos quarenta minutos de “Amor da Minha Vida” e deixar o ceticismo um pouco de lado e aceitar a imposição da magia, ao som de Jota Quest e o “quero um amor maior, amor maior que eu” e Lulu Santos e sua música “Apenas Mais uma de Amor”.