Amazônia Sociedade Anônima
A realidade oculta
Por Vitor Velloso
Durante o Festival do Rio 2019
Em um momento onde Chico Mendes é desconhecido e ignorado pelo Estado, a mineração e o desmatamento apoiados pela caneta do Ministério, “Amazônia Sociedade Anônima” vem ocupar uma lacuna importante no festival do Rio. Refletindo os problemas políticos que o Brasil enfrenta em suas reservas, o filme utiliza seus recursos de linguagem para buscar um didatismo que impulsione o espectador a compreender as dificuldades dos brasileiros que ali vivem.
Dirigido por Estêvão Ciavatta, o documentário segue um padrão televisivo que narra essa história tão anônima à maior parte da população nacional e tão ignorada pela mídia, ou sob a ótica daqueles que possuem o poder. A bancada da bala e a ruralista detém os meios de comunicação como principais influenciadores na formação de opinião pública, tornando o embate pela Amazônia, uma briga desonesta que tende ao lado mais forte da balança, que ainda possui o aval do Estado.
Estêvão segue uma escola à moda de Silvio Tendler, a informação está acima da forma e diversos letreiros simplificam o discurso à informação direta na tela, mas acaba não democratizando parte da narrativa, já que se torna um exercício brevemente literário e não visual. Mas ainda assim o filme consegue ter força para debater as problemáticas que cercam o tema, partindo do ponto de vista das pessoas que realmente buscam a defesa pela Amazônia, os índios e os habitantes.
Ainda no modelo jornalístico, as entrevistas em “Amazônia Sociedade Anônima” são simples e com direcionamento conciso, sem grandes rodeios, a riqueza desses momentos estão na alta variedade de discursos divergentes projetados na tela do cinema, atingindo os dois lados da história, ainda que um deles não mereça ser escutado, o longa abre a concessão para que o diálogo seja aberto a todos mas não se acovarda em apontar o dedo no momento necessário. Em parte a montagem ajuda nesta interpretação, já que permite uma dialética das falas e das imagens com um conflito inerente ao material.
Algumas escolhas para a trilha sonora buscam um excesso de dramatização para o filme, de forma desnecessária acaba forçando uma emoção que já está presente, retirando o espectador da imersão da experiência brutal da realidade nacional e revelando todos os dispositivos. A escolha revela a proposição televisiva do projeto, a ideia se alia a conjuntura atual de aproximar a sétima arte da TV.
Ainda que “Amazônia Sociedade Anônima” não comente diretamente as políticas do atual Ministro da Mineração, Ricardo Salles, o recado é bastante claro, assim como a seleção do filme para o Festival do Rio. Enquanto o país se mantém à venda no mercado internacional, “Amazônia Sociedade Anônima” vem para consagrar uma necessidade do cinema brasileiro de denunciar esse combate eterno das pessoas que são da terra para as que querem a mesma. A máxima diferença entre esses seres humanos é que uns enxergam a terra como uma propriedade, outros como casa e parte de si.
Estêvão busca transmitir isso através de sua obra, acaba fragilizando com escolhas formais que burocratizam as incisivas contra esse sistema vigente. A postura de denúncia que nomeia os inimigos acaba sendo diluída na construção excessivamente quadrada do documentário. Para agravar, alguns assuntos surgem aleatoriamente ao longo do filme, sem ligação clara com o amálgama de argumentos que são apresentados. Como dito anteriormente, isso faz todo o potencial político se perder em uma denúncia que por vezes beira a caretice, a importância da temática acaba se sobrepondo à obra.
“Amazônia Sociedade Anônima” é necessário para que haja conscientização sobre as verdades da realidade do país e ajuda a combater os factoides que são divulgados pela mídia, que apoia descaradamente o agronegócio. Falando sobre o desmatamento quando lhe convém e quando a situação se torna incontornável, como os incêndios de 2019. Contra tudo e todos, os verdadeiros brasileiros se unem compreendendo as diferenças culturais e étnicas, para defender aquilo que os une, a Amazônia. Diferentemente do falso nacionalismo que acredita que o partido é o Brasil e que veste camisa de futebol para “demonstrar” sua identidade brasileira, os índios não levam uma bandeira com lema positivista, e acima disso, respeita a natureza, nasceu nela, vive nela e sobrevive dela, não nas cidades de cimento, ar condicionado e feita com base na segregação e desapropriação.