Alice Junior
Corpos Jovens, Politizados e Bafônicos
Por Roberta Mathias
Durante o Festival do Rio 2019
Em seu terceiro longa, “Alice Junior” o diretor Gil Baroni parece ter acertado o tom ao ganhar as gargalhadas e cumplicidade do público. Tratando de temas densos, sem perder a leveza o diretor se propôs a fazer um filme para a “geração lacração “ que combinasse divertimento à reflexão.
Após ganhar os prêmios de melhor atriz, atriz coadjuvante, montagem e melhor trilha sonora no Festival de Brasília de 2019, o longa-metragem roteirizado por Luiz Bertazzo, chega à Mostra Geração do Festival do Rio de 2019. A trilha vencedora conta como nomes como Duda Beat, recifense que está na boca e ouvidos de adolescentes e de jovens adultos por volta dos seus 20 e poucos anos. Mas, não é somente em suas canções que o filme acerto o tom. Cheio de gírias locais (a narrativa se passa em Recife e, posteriormente, em uma pequena cidade do Sul), insere desenhos dentre outros elementos ao longo das imagens, imitando uma estética próxima à das redes sociais. Com isso, a produção ganha a atenção do público jovem que imediatamente se identifica com a abordagem. A atuação um pouco over dos adultos em nada atrapalha e parece proposital, criando um contraste evidente entre eles e os adolescentes. O cineasta faz questão de anunciar no primeiro momento que os dilemas dos mais jovens serão o centro de sua narrativa.
O bom de ver “Alice Junior” sem procurar muitas informações sobre o filme antes – apesar de saber sobre as premiações no Festival de Brasília e a premissa inicial do mesmo – foi o elemento da surpresa. Surpresa positiva. Rara nesses dias de “deboche, hipocrisia e ódio”, como apontou Baroni, ao discursas na abertura da sessão de exibição no MAM do Rio de Janeiro.
Apostar no carisma da atriz e da personagem (que parece uma versão de Thiessita mais jovem) foi um dos acertos do roteiro e da direção. Alice e Anne Celestino (a atriz que interpreta a youtuber protagonista) se comunicam de forma eficiente com todos. É claro que se comunicam melhor à “geração lacração”. Digo isso como elogio e não como crítica. Ao se posicionar como uma comédia-romântica para adolescentes, o filme tenta (e consegue) se aproximar de seu público-alvo – expediente também utilizado em outro longa-metragem selecionado para o festival, o norte-americano “O Verão de Adam“. Nesse sentido, ter a companhia de estudantes de duas escolas públicas durante a sessão foi essencial para entender de que maneira eu poderia me aproximar do filme. Foi ao ver as reações dos espectadores mais jovens que entendi qual poderia ser minha postura diante da obra.
Eu me diverti. Não consigo puxar de lembrança outro filme recente no qual tenha me divertido tanto. Outro ponto positivo do filme, que aborda questões como corporalidade, gênero, orientação sexual e relações entre gerações, é a maneira leve como esses temas são apresentados. Talvez, por isso, o público jovem tenha se identificado tanto como algumas reações dos personagens. O diretor Gil Barone procura fugir dos estereótipos – embora às vezes, bem pouco, acabe resvalando em alguns deles – porque anuncia desde a primeira frase que aparece pichada em um muro de Recife que sua forma de combate é a resistência. Maneira de atuação, aliás, que aparece no discurso do cineasta e da personagem que, lá para o meio do filme, cantarola que seu corpo é resistência.
A sexualidade apresentada no filme é plural. Sem julgamentos, são apresentados, além da personagem trans, personagens gays e bis. Conversando com colegas pais de adolescentes e professores do Ensino Médio, percebo que essa questão da fluidez (e não sou a única, esse debate já foi feito por diversos educadores) está mais bem resolvida para eles do que para minha careta Geração X que, por vezes, se sentia aprisionada a uma única estética ou máscara. É difícil admitir, mas talvez nos falte um pouco de jogo de cintura, ou – como diria Alice – nos falta uma “raba balançante”.
Pela reação dessa sessão, que acabou com Alice e, posteriormente, sua atriz ovacionadas pelos alunos pedindo fotos (possivelmente para publicar no Instagram ou em alguma nova rede sobre a qual não estou atualizada), é possível acreditar em espaços mais plurais, menos caretas e mais afirmativos, mesmo da pluralidade. Em determinado momento, em uma festa, a protagonista nos convida a sair de nossos corpos. Experimentar mais e melhor as possibilidades que nos são ofertadas. É claro que se trata de representatividade. Mas se trata também de liberdade. Conceito tão caro que perseguimos desde a Modernidade e não conseguimos alcançar.
Em um momento no qual ele parece um tanto mais distante, talvez “Alice Junior” tenha me feito crer em uma geração futura que avance um pouco mais em relação a determinadas direções: à liberdade, à Alice e à liberdade de Alice.