Mostra Um Curta Por Dia 2025

Alice dos Anjos

Beabá para aprender

Por Ciro Araujo

Durante o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro 2021

Alice dos Anjos

Seguindo uma saga de adaptações e releituras na obra de Lewis Carroll, “Alice dos Anjos” permeia uma mistura de Paulo Freire e fantasia. O longa-metragem de Daniel Leite Almeida propõe que, através da absorção dos contos estrangeiros e a aplicação do musical, pode-se retirar a partir dali um conto sobre opressão e resistência. Uma sonoridade sertaneja que cria ritmo e através de uma infantilidade também afeta a aprendizagem e didática. Está aí a relação muito forte com as obras do professor anterior.

Nos passos de filmes como “Bacurau” que inclusive como maior ato produziu uma ação de resistência, um grito forte e presente, a obra transita na clara percepção do conto inglês como um receptáculo para maiores possibilidades. Assim, Daniel constrói pelo texto camadas que servem como escadas para introduzir a superstição e imaginação como formas dentro da cabeça de uma criança. Alguns dizem que a melhor mente são dos mais jovens pois olham de uma forma mais livre o mundo. A atriz mirim, Tiffanie Costa carrega nas costas um protagonismo magnético, que não se despede de um uso literário dos diálogos, cedendo à dramatização redonda à lá “O Mágico de Oz”.  Inclusive, apesar da correlação com o tão adaptado “Alice no País das Maravilhas”, a obra filmada em Vitória da Conquista está muito mais atrelada à adaptação de L. Frank Baum, seja por sua via mais musical, seja por embates envolvendo duas facções maquineístas.

Maquineísmo na realidade é uma necessidade. Se, por um lado traduz em empobrecimento dramático, é necessário para explicar para uma audiência que começa a se formar como mais infantil (ou até mais madura, o método é acessível a todos). A simplicidade de dois lados transforma em uma simplicidade que muitos contos permitem traduzir. A noção de bom e mal importa quando existe por pré-definição uma problemática de opressão e invisibilidade. Então, por outro lado, é uma forma que Daniel encontra em “Alice dos Anjos” de encontrar perfeitamente quem ele quer doutrinar, de certa forma. A palavra sempre foi vítima de polêmicas e problemas, mais recentemente tomada de refém pela extrema-direita. Todavia, é exatamente a função que o filme do cineasta propõe. A figura do coronel só foi desmitificada após anos de preparação do meio cultural e hoje, é tratado com a desmoralidade necessária. Talvez algo próximo fosse necessário com os militares para acabar com a ideia que perpetua no contemporâneo.

Além de Tiffanie, o resto do elenco produz atuações teatrais, um apoio de Fernando Alves Pinto como o bode preto, reversão do coelho branco de Alice. “Siga o coelho branco”, diz o livro. A história tantas vezes revistas, do mais perverso ao mais mercadológico, é impossível se deparar na listagem cinematográfica e nunca se encontrar sem ver nenhuma adaptação da fábula. Ela é simples, infantil por necessidade mas atiça ao máximo. E o diretor reconhece isso, então estende sua direção de arte para algo mais plástico, uma maquiagem que é possível perceber. Ocorre assim uma formação de carisma. O personagem do coronel e sua ponta de nariz postiço, representando uma classe de nariz arrebitado, pegando ideias diretas da peça teatral tão influente de Oswald de Andrade “O Rei da Vela”. O “Manifesto Antropófago” foi também escrito pelo escritor então se vê uma conexão muito forte de Daniel quando o aplica dentro do texto.

E ainda assim, requer o próprio regionalismo. O sertanejo sempre evocado, mitos e figuras regionais reconstruídas através da tela. “Alice dos Anjos” funciona como uma obra educadora, que pensa para aproveitar da esperteza infantil e elas próprias lerem as entrelinhas. Invariantemente, serve como uma resistência de exemplos do sudeste e sul e assim uma manutenção desde cedo. Não é incomum encontrar aqueles que só começam sua educação sobre a realidade puramente mais tarde. A necessidade de um filme cumprir seu papel social é fundamental e ao menos a obra sabe de sua importância. É sólido e possui uma reta final tão bem escalada que paga os talvez excessos em seus planos musicais quase líquidos, que não percorrem de forma exata e até cansativas. A viola caipira se mantêm ao menos tocando, nessa calmaria do mundo imaginário, no maravilhoso país das Carnaúbas. Que por sinal, excelente nome para um local, o diretor soube perfeitamente como ressignificar a estrutura de uma fábula.

3 Nota do Crítico 5 1

Conteúdo Adicional

Deixe uma resposta