Agora
Câmera-palco
Por Vitor Velloso
Durante o Olhar de Cinema 2020
Compondo a Novos Olhares, “Agora” de Dea Ferraz é um filme que desperta interesse pelo caráter sintético de sua linguagem e da relação corpo-espaço em meio à “caixa” que se abre para a História. Existe um contexto político que sintoniza parte de suas performances e um lugar de “como você se sente hoje?”. Porém, a forma que determina esse caráter consciente da primazia econômico-social ao qual fomos inseridos, é reveladora enquanto linguagem na linha de produção de outras realizações do cinema brasileiro contemporâneo.
Existe aqui algo que surge como estranho e automaticamente se vê inserido na misancene, as performances vão se somando como ponto-chave do lugar dessas pessoas na sociedade. Suas raivas, desesperos, esperanças etc, vão ganhando o concreto da encenação, sempre com o atravessamento de uma intervenção a palavra título do filme “Agora”. Na linha de “Alma no Olho”, essa construção se dá de maneira reduzida, em estúdio, onde a centralização da “macro-política” se encontra em escala “micro”, pela força desses indivíduos. Mas aqui existem duas frentes de olhar que podemos escalonar. 1) Essa conscientização do corpo e do espaço se dá em singularidade do “Agora”, como dito, e por isso recusa trilha sonora, ainda que pequenas intervenções sejam feitas, assim, é fácil perder parte do impacto pela diegese da interpretação, em contrapartida, a experiência se torna mais viva, teatral, se compreendermos parte das ideias de performance de R.Cohen e elevarmos a hibridez de linguagem que está presente aqui, há uma dimensão desse imediatismo da interpretação em um campo bastante distinto. Tanto pela dilatação do tempo, afinal estamos falando de um longa metragem, quanto pelas intervenções que modificam o tom das performances, que é uma ideia com raízes profícuas, mas que acaba tentando tornar a organicidade algo que se reverbera enquanto produção de fato.
2) Pessoalmente, existe relações desse campo macro-político, dito na sinopse, mas nunca exposto com o vigor que está presente ali no “palco-quadro”. E está claro que parte de suas intenções não caminham no campo da contextualização, não à toa o nome “Agora” rompe relações temporais (que é resgatado por parte das performances). Mas a compreensão que temos aqui, se vê aliada à dialética, até onde sua estrutura o permite. Ou seja, quem dita essa concepção, na ilha de montagem, tenta criar concessões com algum esquema dramático. Gera uma tônica de interrupção constante de alguns fluxos de imagem-corpo para tentar concatenar alguma coletividade ali, no caso seus personagens e o improviso. Mas no fim, o que alcança é a desarticulação dessa unidade. E aqui reside uma questão particular das obras que miram as apresentações imediatas como esse recurso de libertação. Há uma maneira parcialmente materialista dessas reverberações, isso porque o discurso político se vê em sintonia dessa História ali interpretada, mas o exercício se torna uma espécie de liberação enérgica de acúmulos sentimentais, sem se distanciar muito da abordagem que se assume na academia ou nas salas pela Zona Sul.
Então, ainda que há potência nas interpretações e em algumas explosões físicas ali, o redimensionamento do quadro como esse espaço que se concretiza de maneira unilateral uma abordagem singular de seus elementos em cena, acaba atravessando a construção que tenta fazer quando intervém oralmente, mas não consegue articular uma a forma que nos permita compreender esses movimentos “dramáticos” de um Brasil Contemporâneo. Por fim, tal como a burguesia brasileira, nos vemos diante da ação, dos fatos, mas precisamos de uma figura centralizadora para nos aproximarmos dessa política do espaço e do corpo. Não à toa, é algo que se multiplica em outros festivais de cinema, pois torna-se confortável a inércia de projetos que se diferenciam pouco um dos outros. Com exceção das performances em si, “Agora” é um projeto que tornou-se prosaico dentro da produção brasileira, através de uma análise distante, há a representação, a ação em espaço isolado, reformulado, mas mantém essa estrutura que a burguesia tanto propagou, seja através de qual instituição for. Infelizmente, é necessário haver uma ruptura, de forma e linguagem, se quisermos tratar com a factualidade e o imediatismo do teatro, com a densidade hermética e formal literária. Mas como comumente o “homem que corre nu, com cartaz em branco na mão”, parece ser levado pouco a sério. Talvez, mas Quintana de um fundo de verdade.