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Abraço

A certeza na frente, a história na mão

Por Laisa Lima

Abraço

Quando o assunto é o conceito de Direito, logo remete-se a lei. E a lei, por sua vez, convoca o regimento das práticas permitidas em prol do bom funcionamento da convivência humana, sendo assim, essencial para todos. Entretanto, “Cabra Marcado Para Morrer” (1984), de Eduardo Coutinho, é o exemplo claro de um destino corriqueiro para quem não se contenta com a lei vigente, ainda mais se o indivíduo pertencer a uma classe não considerada como respeitável para àqueles que são os executores da legislação. Os professores de Sergipe em “Abraço” (2019), de DF Fiuza, também são casos nítidos de pessoas que são tidas como não merecedores de leis, e consequentemente, direitos, ao menos justos.

Abraço” se inicia com o chamado do Sindicato dos Professores em Aracajú, por meio do Presidente Jorge (Flávio Bauraqui), a todos os professores de Sergipe que são a favor da progressão vertical de suas carreiras, na qual o Tribunal de Justiça quer tornar inconstitucional. Devido a tal convocação, a história de Ana Rosa (Giuliana Maria) ganha destaque ao representá-la como um modelo real de algumas profissionais daquela área, visto seu sacrifício (até de seu casamento) em favor do amor ao trabalho. A partir da personagem, eventos a envolvendo tornam-se necessários para a verdadeira passagem do espírito do longa-metragem.

Em seu primeiro ato, “Abraço” transforma o cenário ficcional das escolas, no local onde os espectadores também se encontram. A fala articulada dos personagens assim como o empedramento de seus diálogos, falha ao empregar uma artificialidade desnecessária na hora de transmitir as ideias centrais do filme, que são compreendidas não por intermédio de deduções feitas pelo espectador, e sim pela obviedade a partir dos discursos explicativos. A forma direta com que é conduzida a película – notório até em sua filmagem, que dá foco apenas onde precisa ter foco, sem valorizar nenhum outro artifício cênico – beira o incômodo ao não atravessar a barreira que precisa existir entre o cinema e o público: a de embarque no que está sendo contado. Ao invés disso, a capacidade da audiência de entender os ocorridos por si só, sem precisar de mediação, é subjugada pelo roteiro que, a todo tempo, quer fazer do entendimento do porquê de sua premissa, uma regra logo em suas primeiras cenas.

Por sorte, o enredo desfruta de um material riquíssimo, visto a precariedade de histórias parecidas com a de “Abraço” e com as dos educadores de Sergipe. Conforme o filme avança, os ocorridos podem ser comoventes por eles mesmos, sem a utilização de artimanhas que os tornem ainda mais emocionantes do que já são. As tentativas da obra de gerar uma tensão maior, no entanto, fizeram-se desconexas, e na maioria de suas finalizações, sem sentido, exemplificado com a cena dos guardas abordando os ônibus, que após isso, nada acontece. Desde seu início, a aceitação da motivação gerada pela película é de fácil aderência, levando em conta a fácil empatia com a causa, que se move a um passo que o público nunca se vê desesperançoso, sendo impulsionado pela constante fé dos participantes, que se converte em convicção dos próprios espectadores.

A professora Ana Maria é, de todos os personagens, a mais acessível do público. Seus interesses, sua paixão e seu engajamento contagiam mediante a interpretação de Giuliana, que traz para o filme e para os atos do movimento, a força motriz indispensável para seu funcionamento. Sua convivência fora das salas de aula, com o marido e com os filhos, dão a realidade vivida por ela algo mais verossímil, levando em conta sua escolha em ser uma “revolucionista” – como diz sua mãe – e não uma dona de casa. E se Ana representa os professores no asfalto, o Jorge de Bauraqui representa os docentes em uma posição de mais poder. Sua dicção mais robotizada é até entendível para o cargo que ocupa, mas sua emoção é ativada ao decorrer da obra, o que não acontece com outros personagens que somente servem para o papel de mediadores das ideias fundamentadas no longa-metragem.

DF Fiuza dá voz aos que ensinam a falar, mas pouco falam por si mesmos. Por via de uma fórmula de manifesto educativo com intuito de levar conhecimento sobre uma causa pouco divulgada, “Abraço” escolhe o caminho de instruir e a partir daí, comover. Sem conseguir total conexão com todos os componentes do filme e sem passar nenhuma naturalidade em seu argumento, a obra, ainda assim, carrega consigo questões pertinentes a se pensar, seja o salário precário daqueles que trabalham para todas as outras profissões, ou seja para o reconhecimento da primordial função da democracia. Em certo momento, Geraldo Vandré dá as graças com “Pra não dizer que não falei das flores”, e aquela atmosfera de luta social, se concebe ao perceber que, sim, “Nas escolas, nas ruas, campos, construções. Somos todos soldados, armados ou não”.

3 Nota do Crítico 5 1

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