A Viagem Extraordinária de Celeste Garcia
“Eram os Cubanos Astronautas?”
Por Filippo Pitanga
Durante o Festival Cine Ceará 2019 (*com versão em espanhol)
Curiosamente, durante a coletiva de imprensa do filme cubano “A Viagem Extraordinária de Celeste Garcia” de Arturo Infante, na manhã seguinte à exibição do filme na competição principal íberoamericana do 29º Cine Ceará, este que vos escreve foi o único presente a perguntar ao diretor sobre a influência da fantasia e do sci-fi em seu cinema. Não apenas nesta obra atual, porém igualmente nos trabalhos anteriores. Já havia uma demanda por parte da imprensa em saber mais sobre as influências do neorrealismo cubano ou mesmo do flerte com a comédia típica de um cinema mais comercial, mas ninguém parecia estar tão curioso quanto eu em saber melhor sobre a correlação do cineasta com o realismo fantástico, numa tentativa de lidar com o surto e o delírio como respostas ao absurdo em que a contemporaneidade parece ter mergulhado o mundo nos últimos anos. Isto sem falar que o novo filme de Arturo é produzido pela mesma equipe por trás do cult “Juan dos Mortos”, raro filme de terrir cubano (terror + rir), o que poderia querer indicar algum interesse coletivo em expressar o cinema por esta vereda pouco experimentada ainda na América Latina, quiçá em Cuba…
De fato, tanto o diretor Arturo quanto a equipe de produção assumem ter começado a experimentar pelo cinema fantástico talvez como um marcador do movimento possível que possa ser vislumbrado mais à frente, porém ainda não é algo com corpo e quantidade suficiente para formar um movimento. O interessante é que podemos estar vendo algo em formação e testemunhando uma virada histórica para o Cinema Cubano pela linguagem de gênero. Afinal, quando pensaríamos num filme de lá que se tratasse justamente sobre a visita de alienígenas que levariam um grupo seleto de pessoas para outro planeta, a fim de buscar conhecimento, e trazer de volta para quem ficou atrás na Terra (algo bem próximo da Alegoria de Platão)? Quem escolheria partir? Quem escolheria ficar? Ou melhor: quem escolheria voltar?! São questões metaforicamente muito próximas aos dilemas vividos em Cuba, especialmente após tantos anos de fronteiras fechadas e uma política mais rígida de isolacionismo (tanto voluntária, quanto imposta, devido a embargos históricos de territórios estrangeiros). Eis que a analogia com os alienígenas cairia como uma luva para debater o nacionalismo e a lealdade à própria cultura que leva muitos cubanos a regressarem à sua terra, mesmo após terem tido muito trabalho para sair.
O posicionamento de Cuba no mundo é muito mais complexo e denso do que uma crítica de cinema poderia mergulhar, porém é necessário dizer que perante um crescente conservadorismo e fascismo global, e uma nova e injustificada caça às bruxas ao “comunismo”, o êxito de Cuba em permanecer um território político e culturalmente interessante faz demonstrar claramente que eles de fato possuem muito a oferecer e ensinar – coisa que sua avançada Academia de Cinema (ICAIC – Instituto Cubano de Artes e Indústria Cinematográfica) e seus filmes podem exercer uma função extra de nos ensinar. Não estamos falando aqui de ideologia, porém sim de experiência – e vivência é algo que não se compra em nenhum sistema financeiro do mundo, pois só se adquire passando por ela.
O que o filme oferece é uma bem humorada brincadeira com auto senso crítico não apenas de sua sociedade, como de um lugar na cinematografia mundial – que anda tendo sucessivos triunfos internacionais a cada ano, do naipe de “Numa Escola de Havana”, “Viva” e “Últimos Dias em Havana”. Aqui, Arturo traz de volta à Cuba a atriz renomada Maria Isabel Díaz Lago, do clássico “Uma Noiva Para David”, que estava há algum tempo na Espanha em outros projetos, como a série de sucesso da Netflix “Vis a Vis” e o filme “Volver” de Pedro Almodóvar, para atuar como a carismática e envolvente personagem título, Celeste Garcia. Sua personagem irá passar por um dilema similar ao da alegoria de Platão e ao de sua própria carreira, colocando justamente aquele amor à pátria e ao eterno retorno à terra natal em primeiro plano.
Este não é o único filme a tratar do assunto, porém decerto possui uma das abordagens mais originais e bem aplicadas, e trabalha com um conteúdo no extracampo sobre a vida real, como o retorno da própria atriz, e o elenco eclético e diversificado, com artistas clássicos da dramaturgia cubana e outros mais recentes, tanto da TV quanto do teatro também. Podemos aqui citar outro filme que reunia uma trupe desta forma, de vários artistas cuja vida real e ficcional se misturava na permanência ou regresso de suas carreiras em várias mídias, dentro e fora de Cuba, que foi “Retorno à Ítaca” de Laurent Cantet. Uma excelente obra sobre este anseio e paradoxos, que se comunica muito com o longa de Arturo, porém com a diferença de o filme de Cantet ser francês e não possuir produção cubana – apesar do elenco e de ter sido todo filmado lá.
Já “A Viagem Extraordinária de Celeste Garcia” possui pleno lugar de fala e representatividade também atrás das câmeras para suprir este olhar que talvez tenha faltado na intimidade do encontro empático dos franceses com um território que não lhe é nato. Por isso, talvez, a ideia da nave alienígena possa trazer uma catarse potencializadora que preencha muitos pontos cegos sobre este tema, num roteiro intrigante e guiado pela personagem central (“character driven”).
A história acompanha Celeste, que trabalha num planetário frequentado apenas por maioria de crianças e escolas para ensinar sobre nosso sistema solar (uma interessante metáfora de onde estamos situados no mundo, inclusive politicamente)… De repente, coisas estranhas começam a acontecer, e culminam justo na suposta chegada de ETs que oferecem uma viagem de aprendizado para alguns “sortudos”, incluindo Celeste, a lhe dar fama e visibilidade. O filme não trata da viagem (deixando a dúvida até o final se tudo isto é sequer real ou uma campanha publicitária), e sim dos preparativos para ela, tudo para falar sobre perda, superação e transcendência.
A personagem da ótima atriz Maria Isabel, em pleno domínio cênico de expressões e gestual, possui inúmeras camadas para além da aparvalhada ex-professora que agora foi relegada e esquecida nos fundos de um planetário fora de órbita, pois o motivo de ela ter se apagado adensa a comédia outrora leve e despretensiosa em termos de discutir a violência contra a mulher. Seu passado foi marcado por um histórico de abusos domésticos cometidos pelo próprio marido…e um segredo funesto que decerto é um clímax do filme quando enfim revelado: com toda a sutileza anticlimática necessária para não deixar o trauma que ela passou ser maior do que a própria personagem.
Há vários outros destaques além de Isabel, como Verónica Díaz Viera, que interpreta a comandante do acampamento de preparo quase militar, bem como Néstor Jiménez no papel do único personagem LGBTQIA+ (ótimo avanço de representação de direitos). Assim como há citações nominalmente a histórias cubanas, pois enunciar é não deixar esquecer, como a homenagem ao cosmonauta russo Yuri Gagarin e ao cubano Arnaldo Tamayo Méndez, o primeiro negro a integrar uma missão espacial soviética, além da hilária menção ao lusitano Matias Peres radicado em Havana, cujo mito local diz que subiu num balão e jamais foi encontrado.
Por fim, apesar das extravagâncias e humor rocambolesco que podem disfarçar ou até esconder as camadas internas, o fato é que a própria atriz Maria Isabel quem consegue ir no sentido oposto ao humor ou aos efeitos especiais e computação gráfica da parte mais farsesca, agregando sutilezas e possibilidades de dentro para fora.
(*versão em espanhol)
Curiosamente, durante la conferencia de prensa de la película cubana “El viaje extraordinario de Celeste García”, de Arturo Infante, la mañana después de la proyección de la película en la 29 ° competencia principal iberoamericana de Cine Ceará, esta que te escribe fue el único regalo para pedirle al director sobre la influencia de la fantasía y la ciencia ficción en tu cine. No solo en este trabajo actual, sino también en trabajos anteriores. Ya había una demanda de la prensa para aprender más sobre las influencias del neorrealismo cubano o incluso coquetear con la comedia típica de un cine más comercial, pero nadie parecía tan curioso como yo para saber mejor sobre la correlación del realizador con el realismo. fantástico, en un intento de lidiar con el brote y el delirio como respuestas al absurdo en el que la contemporaneidad parece haber hundido al mundo en los últimos años. Sin mencionar que la nueva película de Arturo es producida por el mismo equipo detrás del culto “Juan dos Mortos”, una rara película terrir cubana (terror + risa), que podría indicar cierto interés colectivo en expresar el cine en este camino. poco probado aún en América Latina, tal vez en Cuba …
De hecho, tanto el director Arturo como el equipo de producción asumen que han comenzado a experimentar con el cine fantástico, tal vez como un marcador de un posible movimiento que se puede vislumbrar, pero aún no es lo suficientemente fuerte como para formar un movimiento. Curiosamente, podemos estar viendo algo en la fabricación y presenciando un giro histórico al cine cubano a través del lenguaje del género. Después de todo, cuando pensamos en una película allí sobre la visita precisa de extraterrestres que llevarían a un grupo selecto de personas a otro planeta para buscar conocimiento y llevarlo de vuelta a los que están detrás de la Tierra (algo muy cercano a Allegory de Platón)? ¿Quién elegiría irse? ¿Quién elegiría quedarse? O mejor dicho: ¿quién elegiría regresar? Estos están metafóricamente muy cerca de los dilemas experimentados en Cuba, especialmente después de tantos años de fronteras cerradas y una política más estricta de aislacionismo (tanto voluntario como impuesto debido a embargos históricos de territorios extranjeros). He aquí, la analogía con los extraterrestres sería un guante para debatir el nacionalismo y la lealtad a su propia cultura que lleva a muchos cubanos a regresar a su tierra natal, incluso después de haber tenido mucho trabajo para salir.
La posición de Cuba en el mundo es mucho más compleja y densa de lo que podría hundir un crítico de cine, pero hay que decir que ante el creciente conservadurismo y el fascismo global, y una nueva e injustificada caza de brujas para el “comunismo”, el éxito de Cuba, al seguir siendo un territorio político y culturalmente interesante, demuestra claramente que tienen mucho que ofrecer y enseñar, algo en lo que su avanzada Academia de Cine (ICAIC) y sus películas pueden desempeñar un papel adicional. enséñanos No estamos hablando aquí de ideología, sino de experiencia, y la experiencia es algo que no se compra en ningún sistema financiero del mundo, porque solo se adquiere a través de ella.
Lo que ofrece la película es una broma humorística con autocrítica crítica no solo de su sociedad, sino de un lugar en la cinematografía mundial, que ha tenido sucesivos triunfos internacionales cada año, del traje de “Numa Havana School”, “Live “Y” Últimos días en La Habana “. Aquí, Arturo trae a Cuba a la reconocida actriz Maria Isabel Díaz Lago, del clásico “A Bride For David”, que había estado en España por algún tiempo en otros proyectos, como la exitosa serie de Netflix “Vis a Vis” y La película “Volver” de Pedro Almodóvar, para actuar como el carismático y atractivo personaje principal, Celeste García. Su personaje enfrentará un dilema similar a la alegoría de Platón y su propia carrera, colocando precisamente ese amor por la patria y el eterno retorno a la patria en primer plano.
Esta no es la única película sobre el tema, pero ciertamente tiene uno de los enfoques más originales y mejor aplicados, y funciona con contenido fuera de campo de la vida real, como el regreso de la actriz, y el elenco ecléctico y diverso con Artistas clásicos de la dramaturgia cubana y otras más recientes, tanto de televisión como de teatro. Podemos citar aquí otra película que reunió a una compañía de este tipo, de varios artistas cuyas vidas reales y ficticias se mezclaron en la permanencia o el regreso de sus carreras en varios medios, dentro y fuera de Cuba, que fue “Regreso a Ithaca” de Laurent Cantet. Un excelente trabajo sobre este anhelo y paradojas, que se comunica mucho con la película de Arturo, pero con la diferencia de que la película de Cantet es francesa y no tiene producción cubana, a pesar del elenco y todo fue filmado allí. The Extraordinary Journey, de Celeste García, tiene un lugar lleno de discurso y representación detrás de la cámara para proporcionar este aspecto que puede haber faltado en la intimidad del encuentro empático de los franceses con un territorio antinatural. Entonces, tal vez, la idea de la nave espacial alienígena puede traer una catarsis potente que llena muchos puntos ciegos sobre este tema, en un guión intrigante impulsado por el personaje impulsado por el personaje.
La historia sigue a Celeste, que trabaja en un planetario al que solo asisten la mayoría de los niños y las escuelas para enseñar sobre nuestro sistema solar (una metáfora interesante de dónde estamos ubicados en el mundo, incluso políticamente) … De repente, comienzan a suceder cosas extrañas, y culmina con la supuesta llegada de extraterrestres que ofrecen un viaje de aprendizaje para algunos afortunados, incluido Celeste, para darle fama y visibilidad. La película no trata sobre viajes (dejando dudas hasta el final si esto es real o si es una campaña publicitaria), sino preparativos para ello, todo para hablar de pérdida, superación y trascendencia. El personaje de la gran actriz María Isabel, en pleno dominio escénico de gestos y expresiones, tiene innumerables capas más allá de la aturdida ex maestra que ahora ha sido relegada y olvidada en la parte trasera de un planetario fuera de órbita, porque la razón por la que salió engrosa la comedia que alguna vez fue suave y sin pretensiones en términos de discutir la violencia contra las mujeres. Su pasado estuvo marcado por una historia de abuso doméstico por parte de su propio esposo … y un secreto funesto que sin duda es el clímax de la película cuando finalmente se revela: con toda la sutileza anticlimática necesaria para evitar que el trauma que ha experimentado sea mayor que ella. El personaje ella misma.
Hay varios otros aspectos destacados además de Isabel, como Verónica Díaz Viera, quien interpreta al comandante del campo de concentración cuasi militar, así como a Néstor Jiménez en el papel del único personaje LGBTQIA + (gran avance en la representación de los derechos). Del mismo modo que hay citas nominales de las historias cubanas, porque enunciar no debe olvidarse, como el homenaje al cosmonauta ruso Yuri Gagarin y al cubano Arnaldo Tamayo Méndez, el primer negro en integrar una misión espacial soviética, además de la hilarante mención del lusitano Matias Peres. en La Habana, cuyo mito local dice que se subió a un globo y nunca fue encontrado. Finalmente, a pesar de las extravagancias y el humor rocambole que pueden disfrazar o incluso ocultar las capas internas, el hecho es que la actriz María Isabel misma puede ir en la dirección opuesta al humor o efectos especiales y gráficos por computadora de la farsa, agregando sutilezas y posibilidades de adentro hacia afuera.