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A Procura de Martina

A memória e suas semelhanças

Por Vitor Velloso

Durante o Festival do Rio 2024

A Procura de Martina

Trabalhando com a memória, tanto narrativa quanto sob a perspectiva histórica, “A Procura de Martina”, dirigido por Márcia Faria, busca diferentes formas de debater as ditaduras na Argentina e no Brasil. Se, por um lado, a ideia de nos introduzir ao drama de uma personagem que enfrenta os sintomas do Alzheimer enquanto revisita as chagas da ditadura parece interessante para criar uma dialética por meio da metáfora, por outro, revela a simplicidade do desenvolvimento, que não esconde seu caráter expositivo ou didático.

A proposição metafórica é parcialmente frágil devido à objetividade exacerbada, que nunca é acompanhada por um desenvolvimento consistente da narrativa, a qual tem muita dificuldade de encontrar um ritmo sólido e uma progressão contínua, sem interrupções ou uma postura cíclica que parece não levar a um novo lugar no drama. Esse é um dos maiores problemas de “A Procura de Martina”: não conseguir alinhar suas ideias com uma proposta que estabeleça um bom fluxo narrativo, criando a sensação de uma obra que não sai do lugar. Não por acaso, depois que a história se situa no Brasil, há um constante sentimento de entrave, quase burocrático, no drama: demonstrar a dor da protagonista, Martina (Mercedes Morán), em sua memória e questão familiar, ou sintetizar essa proposta de memória coletiva — e, por vezes, de auxílio — em um desfecho quase pragmático.

Dessa forma, o longa vai tropeçando em sua própria ambição dramática e histórica, implicando em um cansaço contínuo ao longo da experiência. Contudo, boa parte do funcionamento do projeto passa pela interpretação de Mercedes Morán, que consegue transmitir as camadas de uma mulher que tenta, como pode, consertar as lacunas da memória em todos os planos possíveis. De alguma forma, a fotografia, assinada por Léo Bittencourt, contribui para a construção de um universo em decadência, caminhando em direção a uma ruína, ainda que movido por esperança. Porém, a reflexão monótona e unidimensional dessa estética também se torna uma das chaves para compreender o gargalo entre as ideias e o resultado final. Aliás, essa suposição de singularidade dramática não se traduz em uma imagem tão saturada em obras dessa temática, com uma repetição tão óbvia e tão didática.

A montagem, assinada por Eva Randolph, sofre da mesma questão, mantendo a noção cíclica e utilizando-se dos gatilhos mais fáceis do roteiro para construir um filme que tem toda a base para se destacar e demonstrar particularidade, mas que nunca se concretiza por uma via tão ambígua quanto previsível: sua ambição. Se, por um lado, a estrutura dramática ambiciona complexos voos, por outro, tem dificuldade de se distanciar de uma zona de conforto estética, estabelecida por projetos recentes. Afinal, a construção dessa unidade plástica também carrega consigo a ideia — há muito estabelecida — de uma capacidade de resistência, vinculando a memória latina recente ao contexto contemporâneo.

Essa leitura, apesar de ter alguma força, se consolidou tão fortemente na cinematografia brasileira e argentina que se tornou um ponto comum — e, muitas vezes, moral — para as narrativas. “A Procura de Martina” segue essa cartilha e mantém a interpretação crítica da história em suspenso, priorizando o relato particular, sem nunca conseguir expandir sua representação para a realidade concreta, situando sua força nas individualidades, ainda que haja o apelo pela memória coletiva. Talvez quem tenha feito isso em maior escala nos últimos anos tenha sido Lúcia Murat, que se debruçou sobre características correlatas em diversas oportunidades, atingindo certa saturação estrutural e estética, quase incontornável.

“A Procura de Martina” tem diversas fragilidades, mas sua maior força está em como Mercedes Morán consegue ampliar os esforços técnicos e trazer uma complexidade maior do que o filme parece disposto a entregar. Talvez por isso a montagem tenha insistido em cenas de pouca progressão, para conseguir explorar esse talento extraordinário e desenvolver os aspectos pessoais da protagonista. Mas a sensação é realmente de exaustão ao fim da projeção. Se, por um lado, esse talvez tenha sido o objetivo geral da película, o efeito negativo pode ser drástico para determinados espectadores. Este foi o caso para este que vos escreve.

Talvez seja um caso de percepção pessoal, mas a sensação é de que não estamos diante de nenhuma tentativa de modificar o mínimo do status quo de uma narrativa em torno de memória, resistência e ditadura, só uma percepção reduzida dessa relação histórica e o contexto contemporâneo. 

3 Nota do Crítico 5 1

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