A Música do Tempo – Do Sonho do Império ao Império do Sonho
Documentário Medieval
Por Jorge Cruz
Se o entusiasta das artes levantar da cama todas as manhãs acreditando que seu amor pela cultura é desnecessário, ele morreu sem perceber. Por essas e outras que iniciativas como a produção do documentário “A Música do Tempo – Do Sonho do Império ao Império do Sonho” precisam ser geradas de maneira incontinente. O longa-metragem, dirigido e montado por João Velho, se apresenta como o primeiro (de muitos, esperamos todos) documentário musical produzido e idealizado em parceria do Centro de Artes da UFF com estudantes da cadeira de Cinema, uma das mais tradicionais da instituição.
Essa multidisciplinariedade em consonância com a liderança de experiente profissional não permite que se paire dúvidas acerca da qualidade técnica do filme. É importante, inclusive, que suas exibições ultrapassem desde já os muros do campus onde foi produzido, como a sessão no Espaço Itaú de Cinema do Rio de Janeiro na noite do dia 12 de setembro, permitindo-se assim a ampliação de seu alcance. Essa intenção de criar produtos totalmente realizados dentro de uma instituição de ensino, como parte dos projetos oficiais da Universidade, não só é promissora como pode se mostrar revolucionária em tempos onde a produção audiovisual brasileira se encontra em uma estrada pavimentada de incertezas. Até mesmo a comunhão ir além de duas manifestações artísticas e se estender para outras cadeiras de cursos, permitindo que a cultura seja entendida como o que, de fato, ela é: um pilar da sociedade.
O grupo de músicos objeto do documentário se propõe a resgatar a música medieval ibérica, bem diferente da nórdica. Os primeiros depoimentos se preocupam em desconstruir a imagem idealizada a partir da cultura anglo-saxônica retratada na Literatura e no Cinema que nos chega por importação. Tanto que as primeiras músicas a serem apresentadas evitam a gaita de fole e até mesmo a harpa em relação a outros instrumentos de cordas. Vozes masculinas e femininas se alteram em um canto mais distante do formalismo estético dos ritmos celtas, quase como se um Clube da Esquina ou uma reunião do Quarteto em Cy e MPB4 se propuserem a fazer releituras da Idade Média.
Apesar de abordar a cultura oriunda da península ibérica do período renascentista, “A Música do Tempo” não materializa tanto assim seu objeto. Variando na cor (do preto e branco nos depoimentos para o colorido dos números musicais), ousa quase nada em sua linguagem, transitando entre um bom programa de entrevista e um vídeo institucional, ao dissecar sobre o funcionamento e a organização do grupo. Na parte musical, o filme funciona como um concerto, que abarca obras dos séculos XV e XVI, com referências de fácil entendimento. Se a Literatura conseguiu reverberar pela História a produção daquela época, a música ainda nos soa distante, dado o dinamismo com a qual essa manifestação artística se apresenta.
A curiosidade inicial, quando se transborda uma cultura distante no tempo, porém bem próxima da nossa realidade, vai se esvaindo. A parcimônia na utilização de legendas, permitindo ao espectador apreciar as apresentações, talvez mantenha o equilíbrio que faz com que o documentário descambasse de vez para o didatismo. Não se utiliza da riqueza de informações a serem fornecidas, uma vez que nos transporta para uma época rica em diversidade geográfica, linguística, populacional e cultural – e não recheia esse pastel com a nata que nos deixou a salivar.
O Centro de Artes e a Escola de Cinema da UFF se fecham em um diálogo da “arte pela arte” que não capta a oportunidade de ser ainda mais plural, ainda mais interdisciplinar. É puramente expositivo, sem ser construtivo. Isso não é um problema, apenas uma opção – porém uma maneira medieval de se fazer cinema, que não comporta os anseios do espectador. Não é em nenhum momento repetitivo, mas parece ser. A carência de entendimento nos faz questionar o porquê de mais uma música e em qual contexto, dentro do imenso leque da Idade Média, aquela se encaixa.
Em um lampejo de fazer algo fora da caixa, há um brainstorm da equipe sobre a produção do próprio filme e porque o projeto anterior, ainda mais didático – já que sem as músicas – foi descartado. Ou seja, “A Música do Tempo”, como tendência suicida de parte das manifestações culturais do Brasil distópico dos últimos anos, não quer pegar pelo braço o espectador retrógrado, desinteressado e que faz da morte às artes um projeto a ser executado. É mais uma obra que se apresenta para os seus, mesmo que todas as ferramentas para converter aqueles que replicam pensamentos medievais em pessoas modernas estejam lá. Como se o armeiro achasse que trabalhou o suficiente em uma guerra que apenas começou.