A Mata Negra
Um esforço de gênero
Por Pedro Guedes
Mostra Sesc de Cinema 2019
Ao escrever sobre o curta-metragem “Guará“, também exibido na Mostra Sesc de Cinema 2019, comentei como é interessante ver cineastas brasileiros dirigindo obras de gênero, já que este é um costume um pouco menos recorrente no Cinema nacional – e não é incomum que realizadores que resolvem se arriscar nesta empreitada acabem obtendo bons resultados (vide “As Boas Maneiras” ou “O Animal Cordial”). Dito isso, “A Mata Negra” se apresenta como um surpreendente terror com toques de fantasia, lidando com o misticismo de maneira particularmente promissora e, até certo ponto, eficaz; o único problema, no entanto, é que a execução em si nem sempre faz jus à sua premissa.
Escrito e dirigido pelo mesmo Rodrigo Aragão de “As Fábulas Negras” (outro longa que, como seu título sugere, lidava com o horror e com a fantasia), “A Mata Negra” se passa numa floresta no interior do Brasil e nos apresenta a Clara, uma jovem que vive com Pai Pedro, um senhorzinho que descobriu curas para diversas doenças, mas que agora perde uma batalha contra a maior delas: a morte natural trazida, segundo ele mesmo, pela idade. Depois que Pai Pedro morre, Clara coincidentemente se depara com o Livro Perdido de Cipriano, um artefato capaz de enriquecer/empobrecer quem está ao seu redor e que, dependendo do ritual ao seu redor, pode também ressuscitar os entes queridos de quem o obtiver. Assim, quando seu par romântico é assassinado durante uma tentativa de assalto, Clara resolve empregar a Magia Negra contida no livro para tentar trazer seu amado de volta – o que, para sua surpresa, acaba trazendo consequências assustadoras não só para ela, mas para todas as pessoas com quem ela interage dali em diante.
Demonstrando seu interesse em histórias fantásticas desde o primeiro ato, quando nos apresenta a um universo repleto de tradições, moedas de ouro e tipos diferentes de indivíduos (do povoado daquela floresta às criaturas demoníacas que começam a aparecer mais à frente), Rodrigo Aragão demonstra disciplina ao envolver a narrativa em uma atmosfera de terror constante, construindo a tensão desde a meia hora inicial até chegar no banho de sangue que toma conta da segunda metade da projeção. A partir do segundo ato, inclusive, “A Mata Negra” passa a abraçar a violência gráfica e o horror escatológico sem quaisquer reservas, surpreendendo, por exemplo, ao incluir pequenas criaturinhas demoníacas que, ao confundir seus oponentes, fazem com que estes explodam as cabeças de outras pessoas – isto sem contar, é claro, a última cena do filme, que deixa a vergonha de lado e assume suas limitações orçamentárias como uma legítima produção trash.
Por outro lado, o roteiro de Rodrigo Aragão se mostra mais problemático, investindo em diálogos óbvios que expõem os sentimentos e as intenções dos personagens de maneira dolorosamente expositiva – e, neste sentido, Aragão também falha na direção dos atores, sendo notável a incapacidade de muitos destes diante das falas ruins que lhes foram concedidas (ao perder seu namorado, Clara solta um horrível “Isso não podia acontecer” que, apesar dos esforços de Carol Aragão – filha do diretor –, soa ridículo de qualquer jeito). Aliás, as próprias motivações revelam-se problemáticas, já que o roteiro faz questão de apresentá-las com uma rapidez que impede o espectador de aceitá-las – é difícil acreditar, por exemplo, no amor de Clara por seu namorado, já que este havia entrado no filme há pouquíssimos minutos. As intenções do vilão, por sua vez, oscilam de acordo com as necessidades imediatas da narrativa, ora querendo proteger a população das ações demoníacas de Clara, ora desejando adquirir um dom sobrenatural através de um ritual também demoníaco (a sorte, no entanto, é que Jackson Antunes faz um bom trabalho ao conferir energia e intensidade ao personagem).
Parecendo contar com uma duração bem mais longa do que atestam seus aparentemente ligeiros 99 minutos, “A Mata Negra” é uma obra que não desperta fortes impressões, mas também não incomoda a ponto de representar um desastre, soando como um esforço razoável de tentar fazer Cinema de gênero no Brasil. E, conforme relatado na crítica de “Guará“, o surgimento de cada vez mais cineastas interessados em realizar este tipo de obra em território nacional pode representar um fenômeno interessante de acompanhar – mas também é importante torcer para que, ao menos, eles façam jus às suas ambições.