A Linha
A limitação de um rascunho
Por Vitor Velloso
Festival de Berlim 2023
Exibido na mostra competitiva do Festival de Berlim 2023, “A Linha”, dirigido por Ursula Meier, é um drama que procura trabalhar uma série de temáticas em uma narrativa que se fragmenta tanto para conseguir abarcar as inúmeras questões, que acaba se fragilizando em seus pormenores. Esse problema tem se tornando cada vez mais comum em dramas que expõem grandes ambições e não sabem como trabalhar com as camadas de seus personagens.
Desde os primeiros planos, “A Linha” expõe uma visão de tragédia familiar: com câmera lenta e música clássica de uma briga familiar, o filme já eleva o tom dramático, exacerbando essa noção de violência e demonstrando que a figura de Margaret (Stéphanie Blanchoud) é expulsa pela própria família como uma pessoa incontrolável e/ou desequilibrada. Com o passar do tempo, o espectador compreende melhor aquela cena inicial, atirada sem nenhum tipo de informação preliminar, mas nunca de forma direta sobre as questões de seus personagens principais. Portanto, o que acontece durante a maior parte do longa é que estamos diante de uma constante tangente, sempre pela superfície, arranhando os arquétipos do gênero, sem conseguir trabalhar suas temáticas centrais ou mesmo os conflitos existentes entre Margaret e Christina (Valeria Bruni Tedeschi), por exemplo. Nesse sentido, é como se houvesse um grande esboço que nunca conseguiu sair do papel e ser projetado na tela.
De alguma forma, o novo projeto de Ursula Meier reflete os problemas de obras que enfrentam as dificuldades de trabalhar com o não-dito e criar analogias entre os personagens, a fim de relacionar as representações dos traumas e frustrações do passado com a “nova” relação mãe-filha que se desenvolve com a personagem de Marion (Elli Spagnolo). E esse referencial que “A Linha” persegue, não consegue se sustentar, justamente pela intencionalidade de procurar as margens dessas relações, sempre soltando algumas informações picotadas do passado de Margaret e Christina, criando uma dicotomia superficial entre as duas, quase que “vilanizando” um dos lados da história. Está claro que existe um esforço para tornar ambas personagens complexas, ao ponto que não haveria um julgamento desmedido e unilateral, mas o roteiro é frágil neste tópico e não auxilia o espectador a compreender as dualidades com suas grandes particularidades, apenas alguns elementos que podemos capturar, como a frustração de Christina com sua carreira, a culpa que ela deposita em Margaret e as toxicidades dessa relação.
Neste universo de alienação, violência e distanciamento, “A Linha” não consegue desenvolver sua paixão musical e soa como um filme de John Carney (“Sing Street”, 2016; “Mesmo Se Nada Der Certo”, 2013; “Once”, 2007) sem carisma e humor (e sem intenção de ser um musical). A questão da música sempre termina em tom quase moralista nessa história e sua ligação com o passado soa artificial, pois apenas é lembrada quando convém a narrativa, como uma espécie de recurso didático. Assim, é difícil conseguir se conectar com uma obra que toca em relacionamentos abusivos, alienação, violência, trauma, sonhos, frustração e uma gama de assuntos, sem conseguir desenvolvê-los até o fim. Tudo parece estar no meio do caminho ou por vir, mas essa espera é longa e pouco recompensadora.
No fim, é mais interessante descobrir a história que acompanhá-la, pois o ritmo modorrento do desenvolvimento, passa a afastar o espectador cada vez mais do cerne inicial da obra. E é neste jogo de idas e vindas, memórias e reflexos, que Ursula Meier não consegue decidir se caminha para um lado de resolução ou de um constante remoer de sentimentos, onde o rolo compressor parece ser apagado com uma naturalidade assustadora. Por isso, os minutos finais conseguem sintetizar bem o drama que não se esclarece ao longo da projeção, muito por mérito da interpretação de Stéphanie Blanchoud que sem proferir palavra, extrai dessa colcha de retalho uma decepção e choque pela naturalidade com que os problemas são esquecidos ou superados. “A Linha” tenta ser muito mais sugestivo do que consegue ser, mas não passa de um esboço de sua ambição.