A Jornada de Jhalki
O teleponto e os negócios
Por Vitor Velloso
Cinema Virtual
O despejo industrial continua a todo vapor e o depósito dependente é a porta de entrada para “A Jornada de Jhalki” de Brahmanand S. Singh e Tanvi Jain que chega ao streaming brasileiro como mais uma obra que não consegue distribuição e se torna opção rentável para o período de descarte.
A articulação de uma linguagem televisiva como esse protótipo comercial funcional que ganha notoriedade nos mais reacionários festivais, vitimiza mais uma vez o brasileiro que se aventura nos últimos lançamentos. O filme é estruturado em torno de um drama que retrata parte do subdesenvolvimento e da maracutaia política que envolve a história da protagonista. Sem muito apego a narrativa, a obra descamba para construções isoladas onde a funcionalidade das cenas é tentar arrancar alguma lágrima ou sorriso do público, mantendo a mise-en-scène como esse arquétipo televisivo que se aproxima das novelas mais baratas.
Na obra, tudo se torna apelativo e com requintes de vergonha alheia, desde a cena inicial ao choro desinibido do pai, cada cena “emotiva” parece uma paródia a ser julgada pelos pilotos de transporte alternativo. Mas então, como “A Jornada de Jhalki” consegue exibição em tantos festivais internacionais? O barato é simples. Uma narrativa didática que arranca o choro de uma parte do público, uma versatilidade entre a TV e o cinema, um descrédito de instituições para fomentar o espírito neoliberal dos festivais imperialistas, um modelo de negócios viável e pronto, será exibido no North Texas Film Festival. O antro do conservadorismo político e cinematográfico mantém a máquina internacional em funcionamento a partir das engrenagens de representação que lhes interessam. O streaming brasileiro é apenas uma reprodução do problema.
O longa se empenha na construção de um drama que está sempre buscando algo para inflamar, à procura de uma música que possa tornar uma cena catártica e/ou triste, uma montagem que se perde do eixo protagonista e perde um tempo excessivo tentando costurar histórias que façam um panorama mais amplo. Objetiva que se aproxima dos rostos, filma o cenário como uma exposição, a luz que desenha cada canto da direção de arte, tudo se aproxima de um dramalhão noveslesco. “A Jornada de Jhalki” não é apenas clichê e estereotipado ao ponto do reacionarismo, é desinteressante, lento, repetitivo, inócuo e busca aquela moral do dogmatismo cristão que vem assumindo as representações no streaming brasileiro. A catarse que finda a projeção, se assemelha à comunhão que se ergue pelas liberdades contras as instituições públicas. O que não significa que não haja razão para tal, mas o que vemos nas exibições internacionais, é uma procura constante de projetos que conscientize o público de individualismos e resoluções pragmáticas.
A própria cultura se torna objeto mercantil. se faz um modelo interno, buscando o mercado estrangeiro. Quando a identidade vira produto, vemos que o processo de “homologação cultural” atingiu um nível perigoso. No caso nacional, essa janela que se encontra no streaming, ainda permanece longe da cultura popular, mas passa a transar com a TV. Há tempos. O modelo de negócio é a ampla cobertura econômica e política dos interesses da burguesia internacional para as cifras globais. Globalização não, Imperialismo.
Programático, o calendário de lançamentos se torna uma síntese dos problemas da dependência capitalista e mercantilização da cultura de representação internacional. Está claro que Brahmanand S. Signh e Tanvi Jain estão longe de serem os maiores culpados pelo fracasso cultural, econômico e político, inclusive da obra que assinam. Eles apenas projetam uma necessidade e mantém a engrenagem girando. Conscientemente ou não, “A Jornada de Jhalki” é o sincretismo dogmático entre a moral e a objetiva imperialista. Nem as interpretações centrais são capazes de carisma diante das pataquadas dramáticas aqui presentes. Essa linguagem de teleponto não tá saturando o mercado, sim o depósito pós exibição nos festivais.
O modelo de negócios é lucrativo e pouco arriscado. Quem sofre mesmo é o espectador que já viu a novela, o desfecho e sabe bem que semana que vem chega outra bomba para cumprir tabela. Santo é o que medita no trabalho.