A Estranha Comédia da Vida
Um diretor à procura de…
Por Vitor Velloso
“A Estranha Comédia da Vida”, de Roberto Andò, é uma dramédia biográfica que procura, a partir de um recorte temporal da vida de Luigi Pirandello, explorar um período que o autor retorna à sua cidade natal e escreve uma de suas peças mais famosas “Seis Personagens à procura de um Autor”, lançada em 1921. Porém, apesar do esforço em procurar emular parte do estilo da peça, misturando questões dramáticas com a encenação do filme em si, trata-se de uma obra aborrecida em um automatismo pouco eficiente e repleta de cacoetes.
Desde os primeiros minutos, o que chama a atenção do público é a fotografia, assinada por Maurizio Calvesi, tão cinzenta quanto irritada, que mantém o mesmo tom do início ao fim da projeção, como uma espécie de procissão burocrática. Decisões estéticas como essa comprometem o próprio ímpeto do espectador de adentrar em uma história que se fragmenta na linha de desenvolvimento da peça e de uma série de iniciativas cômicas frustradas espalhadas ao longo da projeção. E mesmo que seja uma película “à italiana”, especialmente nas características de seu humor, o tom emulado que cada sequência procura transmitir, aliado à fotografia quase preguiçosa, burocratiza todo o trabalho de roteiro de Ugo Chiti, Massimo Gaudioso e Roberto Andò. É bem verdade que trata-se de uma escrita mimética e quase presunçosa estilísticamente, justamente por querer provocar analogias, ligações infantis com essa tentativa de metalinguagem que o filme procura com tanta constância. Desta forma, o que explicita o desarranjo desse caos, que poderia ser bem vindo, é justamente que esse esforço em transformar a identidade e um tom de ilusão em uma forma próxima de Pirandello, demonstra uma série de fragilidades da obra.
Por esse caminho, quanto mais “A Estranha Comédia da Vida” se fragmenta para dar conta de suas pontas, mas suas feridas vão ficando expostas. E por mais que Toni Servillo, interpretando Pirandello, tente sustentar alguma coisa com seu olhar indagativo e sempre na observação do cotidiano, paixões etc, seu personagem acaba se reduzindo, muitas vezes, a mostrar o que se esconde atrás da cortina. Dessa forma, boa parte da proposta do filme se resume na especulação, o que poderia ser divertido, do processo criativo e do desenvolvimento prático de sua famosa peça, mas se encerra nos limites de um projeto que sem saber para onde caminhar, se apoia nos pontos de apoio mais fáceis à sua disposição, o que inclui essa estética lavada, o roteiro que se fragmenta para dar algum sentido para os personagens mais distantes do centro e o tom completamente disperso que o próprio filme possui com sua finalidade.
Se o problema de muitas obras é não saber para onde caminhar ou se apressar em direção ao encerramento, o tópico de “A Estranha Comédia da Vida” é possuir o argumento da especulação, sabendo que culmina na peça, mas o meio, seu desenvolvimento, é uma bagunça assustadora. Ou melhor, não tão impressionante por se tratar do mesmo diretor de “O Caravaggio Roubado” (2018), que é um dos piores lançamentos daquele ano no Brasil. Talvez o mais interesse de Roberto Andò não seja nas histórias que procura contar, mas nas personalidades que mira, seja em um tom distinto ou em uma interpretação mais próxima de seus feitos. Dessa forma, talvez alguém deva avisar ao senhor Andò que os miolos de seus filmes, são suas partes mais problemáticas, e que um início conturbado, o espectador aguenta, um final caótico, é frustrante, mas o desenvolvimento inteiro parecer que não faz sentido algum, é absurdo.
“A Estranha Comédia da Vida” está longe de ser uma das maiores bombas do ano e pode até conseguir arrancar um riso desprevenido de algum público, mas é tão frágil que é incapaz de se sustentar por mais de cinco minutos inteiros, dependendo de diálogos isolados, ou mesmo falas específicas, para ser funcional em seu processo. E quando a melhor cena do filme, que não é grande coisa, é o encerramento da peça, que é uma das últimas cenas do longa, a coisa tá feia.