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A Brigada da Chefe

Culinária afetiva

Por Pedro Sales

A Brigada da Chefe

Dos fluxos migratórios África-Europa, um dos principais destinos é a França. O país lida, por isso, com uma problemática atrelada ao racismo e à xenofobia. A presença da extrema direita lepenista reforça e ampara tal discurso, como quando Marine Le Pen demonstrou despudoradamente sua aversão à imigração ao defender a deportação imediata de imigrantes ilegais. Este assunto está sempre em evidência, até mesmo eventos esportivos, como a Copa do Mundo, suscitam debates acerca do tema. Em “A Brigada da Chefe”, porém, o futebol não é a fonte de esperança dos jovens, e sim a culinária. Quando Cathy Marie (Audrey Lamy) assume a função de chef em um abrigo de imigrantes, a cozinha passa a desempenhar um papel transformador na vida dos garotos que sonham em se firmar na França.

A direção de Louis-Julien Petit trata logo de estabelecer o contraponto entre realidades: a de Cathy e dos imigrantes no abrigo. A chef, antes de ingressar no novo emprego, trabalhava na alta gastronomia francesa, cozinhando pratos finos que muitos dos meninos jamais comeriam. Eles, por outro lado, vivem com pouco luxo e dentro das possibilidades orçamentárias geridas por Lorenzo (François Cluzet, de “Intocáveis”), administrador do abrigo. Os jovens estudam, comem e moram no abrigo. O objetivo principal é conseguir ser escolarizado antes da maioridade para, assim, se manter na França. A professora responsável pela tarefa é a sempre sorridente Sabine (Chantal Neuwirth). Ao criar o claro contraste entre o mundo do abrigo e da alta culinária, Petit consegue extrair humor do longa. O sofisticado é mandatório para Cathy, que, de cara, estranha a simplicidade da cozinha e dos ingredientes. A trilha brinca com isso ao inserir música erudita enquanto ela monta os pratos, por exemplo. Os jovens, por sua vez, só querem comer, prezam mais a quantidade do que qualidade.

A solidão na cozinha é incapaz de conseguir alimentar o batalhão de garotos. A solução, simples, contar com alguns deles como ajudantes. É a partir da relação de hierarquia da cozinha – a própria “brigada” que dá título ao filme – que Cathy passa a se conectar com os meninos. O temperamento ditatorial e nervoso da chef, herdado de sua antiga patroa, aos poucos, se molda para uma verdadeira cumplicidade e companheirismo entre eles. A relação é afetiva e pedagógica, já que ela precisa ensinar tudo para eles do zero, do corte da chalota a apresentar o prato. A criação do microcosmo do abrigo é fundamental para que esses laços se desenvolvam.  Portanto, boa parte de “A Brigada da Chefe” se passa neste ambiente cênico, com poucas exceções. O confinamento e, consequentemente, o convívio faz com que os jovens gostem dela e da culinária em si. Alguns deles, como Mamadou (Amadou Juldeh) e Gusgus (Yannick Kalombo), sonham em se tornar chefes de cozinha após o contato diário com a culinária.

O principal mote do filme é o potencial transformador da culinária. O destino dos imigrantes está por um fio de retornar para o lugar de onde vieram, e a cozinha torna-se refúgio para eles, assim como outrora foi para a própria Cathy. Neste aspecto, ela encontra ressonância com os jovens, e a obra atinge seu potencial dramático e emocional. A afetividade da culinária ultrapassa a relação chef-ajudantes e adquire um tom pessoal. Madeleine de Proust é uma comida capaz de despertar memórias e sentimentos, todos têm aquele prato com gostinho de infância. Para o autor de “Em Busca do Tempo Perdido”, eram as madeleines, para os imigrantes, a comida de seu país natal, seja um prato preparado pela avó ou um molho que aprendeu com a mãe.

O filme se estrutura bem nas relações de proximidade e conflito, em um modelo sydfieldiano de roteiro (apresentação – ponto de virada – confrontação – resolução). Os problemas, entretanto, surgem por dois fatores: a falta de uniformidade dos personagens e o clímax apressado. No primeiro, o ponto de interesse de Petit e de seu roteiro são apenas alguns dos jovens, eles não possuem um destaque igual. Convenhamos, não é simples distribuir o tempo de tela, principalmente em um filme de pouco mais de 90 minutos, mas ainda assim é algo incômodo. Já o segundo ponto esbarra na potência do discurso evocado. A forma que a direção constrói a cena, com uma pressa absurda, poderia ser o suficiente para ofuscar um dos grandes momentos do longa. Entretanto, a força do tema discutido se sobrepõe a essa tecnicalidade.

A Brigada da Chefe” é o que se convém chamar de feel good movie, uma obra dotada de otimismo e alegria em que não é nem um pouco complicado, ou fastidioso, se conectar com os personagens e seus desafios. Dessa forma, o aspecto emocional provocado da transformação dos jovens e Cathy por meio da culinária é o fator que mais consegue arrancar um sorriso do espectador – mais até do que as eventuais piadas. Mesmo com a leveza que predomina no longa, ainda consegue trazer para o foco a séria questão migratória, tão urgente para o contexto atual francês. O agridoce que tempera o filme deixa um sabor de felicidade e bem estar. E para a pergunta fundamental, “o filme é bom?”, minha resposta é uma só: “Sim, chef”.

3 Nota do Crítico 5 1

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