400 Contra 1 [Uma história do crime organizado]

Ficha Técnica

Direção: Caco Souza
Roteiro: Victor Navas, colaboração de Julio Ludemi
Elenco: Daniel de Oliveira, Daniela Escobar, Negra Li, Jonathan Azevedo, Jefferson Brasil, Rodrigo Brassoloto, William Jonser, Lui Mendes
Pesquisa histórica: Ana Carolina Maciel
Fotografia: Rodolfo Sánchez
Trilha Sonora: Max de Castro
Direção de arte: Bernardo Zortea
Figurino: Beta Abrantes e Carolina Sudati
Maquiagem: Marcelino Miranda
Montagem: Marcio Canella
Produção: Nelson Duarte
Estúdio: Globo Filmes, Destiny International, PlayArte Pictures
Distribuidora: PlayArte
Duração: 98 minutos
País: Brasil
Ano: 2009
COTAÇÃO: FRACO

A opinião

“Onde o filho chora e a mãe não vê”, apresenta-se a Ilha Grande, em Angra dos Reis, Estado do Rio de Janeiro, que serviu de palco prisional. Os presos políticos, “comunas” da ditadura militar foram mandados para lá. Com isso, houve a união com os presos comuns, os “jacarés”, trocando conhecimentos sobre atos criminosos.

William da Silva (Daniel de Oliveira), um dos grandes articuladores daquilo que viria a se tornar o Comando Vermelho, vai parar no presídio de Ilha Grande, onde presos “comuns” eram colocados lado a lado com presos políticos. Neste universo de fugas consecutivas, assaltos e enfrentamento com os policiais locais, as amizades se destacavam e geravam dívidas que faziam com que foragidos retornassem à ilha para libertar seus companheiros.

O longa não escolhe ser linear. Intercala digressões explicativas em vários anos: 1980, 1971, 1976, 1977, 1973, 1979, 1981 e 1978. Opta-se por um ambiente anos 70, com a nostalgia que lembra o filme “Jackie Brown”, de Quentin Tarantino. Baseado no livro autobiográfico homônimo de William da Silva Lima, conta a história do surgimento do “movimento” facção Comando Vermelho, que assaltava bancos para financiar a fuga de detentos ex-revolucionários. Eles criaram “leis” próprias dentro do instituto carcerário.

A abertura resume, em mini flashbacks, o que acontecerá na trama. Tendo música de Max de Mastro, remete-se a um universo James Brown. A narração explica os personagens. Os saltos de tempos de um a outro ano, às vezes, apresentam uma cena única. Há explicação demais sobre o “caldeirão do diabo”, como era chamado o Instituto Penal Cândido Mendes. A camera espera e contempla, usando e abusando de recursos de videoclipes.

O roteiro, narração e diálogos, apresenta-se alterado e exagerado. Há a necessidade de impor o que está sendo dito. Não se pretende questionamento por parte do espectador. É um choque unilateral. “Colocar pistola na cintura vicia”, diz-se. São os clichês da violência. Antes, os “políticos” eram separados dos “jacarés”. Os primeiros viviam no fundo da cadeia. Nasce a coletividade quando uns juntam-se aos outros.

Os diálogos são óbvios, didáticos demais, pouco convincentes, infantis, ingênuos, pretensiosos, bobos e de vez em quando até patéticos. Desejam que quem está do outro lado da tela aceite e processe um estilo folhetinesco teatral. O discurso é politicamente correto, a favor do crime, já que o filme possui a visão parcial do livro em questão. Torce-se pelos “bandidos” Robin Hood (que roubava dos ricos para financiar a fome dos pobres). Há o estímulo de querer ser como um deles. Enaltece um movimento, tratado como certo e necessário. “O Comando Vermelho era um comportamento, uma forma de sobrevivência”, resume-se o tom escolhido.

Quando se busca o amadorismo das conversas, distancia-se do realismo. Faz com que o espectador não sinta a história. É um conto que não deseja aprofundamentos e nem a presença de ninguém. “Onde tem uruba, tem bactéria”, diz-se com uma das frases que fornecem ao filme um prazer por estar sentado na cadeira de cinema. Então, há como absorver, prazerosamente, algumas partes do filme. Um outro exemplo é o ator Daniel de Oliveira, que realiza bem o seu papel, por já ter afetação nata para esse tipo de gênero. Ele consegue livrar em muito o clichê dito pelos outros e mitigando a atmosfera de frases de efeito já repetitivas e tão comuns quando se trata de prisões e presos. Outra cena que ajuda é a fuga em dia de visita, historicamente interessante.

Como disse, o filme é parcial e pronto. Segue uma linha, mas tenta a todo custo a redenção do movimento. Colocando figuras como a advogada, cria a utopia da mudança, mesmo tendo o total conhecimento de que não é possível. “Um entrava na porrada, tomo mundo apanhava junto”, diz-se. Há também imagens de arquivo do Jornal Nacional, da Rede Globo sobre os atentados e o ‘fim’ de uma facção. A fotografia de Rodolfo Sánchez, que também é conhecido pelo trabalho como fotógrafo de O Beijo da Mulher Aranha, de Hector Babenco, contribui positivamente à narrativa.

O “Minimanual do Guerrilheiro Urbano”, foi escrito, em 1969, por Carlos Marighella (Salvador, 5 de dezembro de 1911 — São Paulo, 4 de novembro de 1969), que foi um político brasileiro, um dos principais organizadores da luta armada contra a ditadura militar a partir de 1964. O objetivo era servir de orientação aos movimentos revolucionários e libertários. Circulou em versões mimeografadas e fotocopiadas, algumas diferentes entre si, sem que se possa apontar qual é a original. Nesta obra, defendeu o terrorismo, o sequestro e as execuções sumárias como métodos a serem empregados pelos revolucionários brasileiros. Nos anos 80, a CIA – Central Inteligence Agency, dos Estados Unidos, fez traduções em inglês e espanhol para distribuir entre os serviços de inteligência do mundo inteiro e para servir como material didático na Escola das Américas, por ela mantida, no Panamá. Esse livro é citado no longa. “Quero saber o que esse livro pode me ensinar sobre crime”, diz um preso quase analfabeto, mas competente na área criminal.

Os conflitos são resolvidos rapidamente, talvez por falta de tempo, já que o longa possui um pouco mais de noventa minutos. “Todo bandido roda”, diz-se e é criticado por William, que explica que não se pode ter violência. Que se deve assaltar um bando sem tiros e sem sadismos. Eles pressionam a ditadura, que se apresenta perdida, sem pulso forte, os rotulando como “revolucionários românticos”. Há um processo épico. De presos políticos a vingadores criminosos. Cenas áreas da Ilha são incluídas e abrandam o sensacionalismo das imagens e das ações mostradas. “A guerra só interessa para o sistema”, diz-se, os ‘pseudo’ pequenos burgueses.

“Paz, justiça e liberdade”, diz-se sobre o slogan do movimento tratado no filme. “Liberdade, de fugir a qualquer preço”. William ficou preso durante 37 anos, entre escapadas e retornos. Casou-se. Teve filhos e escreveu o livro. A conclusão é de ser um filme promocional, com o intuito de resgatar um movimento que não deveria ter acontecido. Lutar pela ditadura militar é uma coisa, mas fazer disso uma central de poder que tido pode a qualquer preço, não é uma vertente aceitável. É chato e previsível. O filme conseguiu o apoio da Funcine, da Ancine (Prêmio de Rendas) e o Governo de São Paulo. Exibido na cerimônia de encerramento do 3º Festival de Paulínia

“Minha incursão no tema do filme 400 contra 1 se deu há oito anos, quando li 400 contra1: Uma História do Comando Vermelho, de William da Silva Lima, livro em que ele discorre sobre sua trajetória no mundo do crime. Achei instigante acompanhar o relato de um detento que teve sua primeira prisão, por furto, aos 17 anos e, entre fugas e recapturas, passou mais de três décadas encarcerado por assalto a banco. Somado a isso William, o “Professor”, integrava um grupo de detentos que conviveu com presos políticos no Instituto Penal Cândido Mendes (Ilha Grande – RJ) nos anos 70. Minha intenção não foi “contar” de forma asséptica e linear a origem do Comando Vermelho. Meu filme é uma trama ficcional (baseada em fatos reais) sobre o surgimento do CV. Procurei retratar esse episódio sem heroísmos e maniqueísmos. Nos dias atuais, o crime organizado desencadeia os mais diversos sentimentos na sociedade. Não falar sobre esse assunto não significa que ele deixe de existir. Abordar não significa fazer sua apologia ou glamourização”, disse o diretor Caco Souza em seu blog oficial.

O Diretor

Em 1987 graduou-se em Publicidade e Propaganda (Faculdade Cásper Líbero, SP) tendo iniciado sua carreira no mesmo ano como sócio-proprietário da Produtora Studio Eletrônico (Campinas, SP) onde atuou como Diretor e Diretor de Fotografia em inúmeros filmes comerciais e institucionais. Nos anos 1990, ocorrem suas primeiras experiências autorais, destacando-se na direção de documentários e curtas-metragens. Em 1993, fixou residência em São Paulo, passando a atender diversas produtoras, tanto na capital paulista, como em Belo Horizonte e Porto Alegre. Atuou como diretor de filmes publicitários, documentários e curtas-metragens, filmando em vários estados do país, da Amazônia até o extremo sul do país, e no exterior: Estados Unidos, Canadá, Indonésia, África do Sul, Hawaii e Portugal. Entre outros, Caco realizou “Tereza” (1992, Documentário), “Flávio de Carvalho: o Revolucionário Romântico” (1993, Documentário), “Clones, Bárbaros e Replicantes” (1994, Documentário) , “A unha preta de um Antônio procura de pigmento” (1995, Documentário), “S’il vous plait ‘one’ biére” (1995, Ficção), “Na Velocidade dos Morcegos” (1996, Documentário), “Arna mance: o cotidiano dos índios Wai Wai” (1996, Documentário), “Amor é um Lugar Vazio” (2001, Documentário), “Eliane” (2002, Documentário), “Senhora Liberdade” (2004, Documentário), “Outras Opções, Aguarde” (2005, Ficção) e “Ultravigiado” (2005, Ficção).

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