12 homens e uma sentença
Coragem e persuasão
Por Victor Faverin
Para discorrer a respeito do longa-metragem “12 homens e uma sentença” (1957), de Sidney Lumet, não posso me furtar a transmitir, inicialmente, a reação que tive ao assisti-lo pela primeira vez: um sonoro “Uau!”. Finalmente presenciava em tela, expressa como poesia desbotada em preto e branco – só que mais viva do que nunca – os valores de que tanto ouvia falar como sendo os definidores do ideal humano: honestidade, integridade e honra. Muitos dizem que esse último conceito é abordado de forma definitiva em “O poderoso chefão” (1972), de Francis Ford Coppola. Pode até ser verdade. Mas o jurado número 8, personagem de Henry Fonda, o protagonista de “12 homens e uma sentença” é a personificação de tudo o que Deus, Alá, o Cosmo ou simplesmente o acaso estabeleceram como o padrão a ser seguido.
Tudo isso nos leva a crer que se existisse ao menos uma pessoa como o personagem de Fonda em cada setor da sociedade, teríamos um mundo digno de panfleto de Testemunhas de Jeová, mas sem a interação com os bichos porque o animal mais fascinante seria o próprio homem. O diretor Sidney Lumet, com uma vasta filmografia, emprega neste longa toda a sua habilidade e criatividade ao situar uma obra em único cenário, uma sala de deliberações onde 12 jurados terão de definir os rumos de uma jovem vida humana que, desde o início, esteve fadada à eliminação. O filme é, antes de tudo, uma aula de cinema.
Essa aula traz, ainda, aquela que é uma das primeiras cenas com plano de conjunto aberto da história. Três atores com a mesma carga dramática visualizam a decorrência de uma história que é muito maior do que eles, do que seus próprios desejos e necessidades momentâneas. A fotografia em preto e branco e o detalhe do cenho franzido de cada um dos jurados são calculados à exatidão para enriquecer cada instante da história. Outro fator que chama atenção é o suor correndo pela testa dos personagens, fruto da falta de funcionamento do ventilador, trazendo o aparelho como um décimo terceiro personagem da trama, o que exaspera o fervor de cada um dos 12 homens presentes em cena.
Tal exasperação imprime ainda mais significado ao nome original do filme, 12 angry men (12 homens furiosos). Cada um deles exprime sua raiva e exorciza seus próprios demônios de uma maneira particular, seja no olhar incriminatório do mais comedido ou no golpe na mesa do mais exaltado. “12 homens e uma sentença” é, também, um ensaio sobre a psiquê humana, sobre como cada um de nós guarda – ou expõe – seus preconceitos e como eles influenciam nosso julgamento. Paus e pedras para uns e flores e adoração para outros, tudo pesado em toneladas pela balança da justiça que sempre penderá para o mesmo lado. A tradição bíblica, aliás, é clara ao citar o dever embutido no destino de cada um: odiar o pecado, mas amar o pecador. Nada mais distante do que uma realidade repleta de intolerância em um planeta prestes a explodir. Realidade esta já antevista em 1957 por Lumet, 12 anos após o mundo se deparar com o desfecho de uma guerra que eliminaria seis milhões de judeus.
Tal povo, assim como os latino-americanos (expresso no filme pelo réu porto-riquenho), foram e ainda são subjugados, colocados à margem dos ditames dos reis do mundo – vide o livro “As veias abertas da América Latina”, de Eduardo Galeano. No entanto, durante uma acusação, basta um olhar compassivo e de boa vontade para que o jogo comece a se equilibrar ou para que, ao menos, a justiça possa ser feita. Nessa esfera, o filme ainda traz o debate sobre um conceito jurídico tão presente em nossas vidas, mas tão desgastado pelo cotidiano: a presunção da inocência. Como condenar à morte alguém cuja responsabilização por um crime não pode ser imputada de maneira certeira, a ponto de que não se restem dúvidas?
Essa indubitabilidade é contestada de forma maestral pelo protagonista, que traz em sua personalidade os valores citados no primeiro parágrafo dessa crítica, acrescida de mais uma qualidade: a persuasão. Poucas coisas são tão prazerosas quanto presenciar o desenvolvimento e sucesso de uma retórica sensata e lúcida em meio à truculência. “12 homens e uma sentença” é a prova de que não são necessários artifícios e diferentes locações para se construir uma história. Se bem contada, todos vão querer ouvi-la, ainda mais quando se trata de uma capaz de formar o caráter de toda uma geração de espectadores e simboliza múltiplas vertentes humanas em apenas quatro paredes.