Uma jornada para dissipar a dor
Por Fabricio Duque
O cinema da diretora Naomi Kawase nos conduz a um universo próprio, particular e metaforicamente existencialista, por sensações, detalhes e simbolismos que encontram respostas e o “fim da dor” na natureza, e que que resgatam uma inocência perdido. O tempo é pausado e deslocado da percepção espacial. Assim, podemos estudá-lo por epifania e por uma cósmica lucidez.
Seu novo filme franco-japonês “Vision” busca analisar livremente os sentimentos dos seres humanos, tão complexos em um mundo que só corre, mas tão previsíveis na essência (a necessidade da renovação). É uma fábula cíclica de entendimento e aceitação, primeiro da ida, depois do retorno.
Suas personagens participam do iminente equilíbrio, à espera de um Messias, que neste caso representa a erva que dissipa a dor. Uma jornada da alma. De cura contra a solidão destrutiva. Um presente ancestral para o reencontro com o próprio eu. A redenção do perdão. Não mais brigar com os caminhos já escritos. Maktub! dirão alguns.
“Vision” é dirigido, escrito e editado pela realizadora japonesa, que não mais filma sua avó, mas conserva a nostalgia do sentir. Uma importação orgânica, metafísica e saudosista da simplicidade da vida. De túneis que explicitam o simbolismo da morte em novos mundos. Novas viagens. Novas dimensões que encontram existências paralelas e por um cão atravessador, a chave altruísta do início dos mil anos.
Para dar vida à estrangeira que procura o Santo Graal (Lenda? Ou a utopia de uma crença?) e a “salvação” da solidão (dela e do outro), Kawase convida Juliette Binoche para ser um “número primo”, para aprender a se misturar. E para queimar o sofrimento até transcender. A escolha da atriz constrói uma parede, um muro entre dois mundos. Assim, nós espectadores passeamos por reações incompatíveis de hesitações ensaiadas e ou ações mais teatralizadas e mais urgentes, visto que não há tom inclusivo, quase ingênuo e emocional, de quem chega com quem já está lá.
Cada um funciona como um artifício, uma ponte facilitadora, de “doar felicidade que está no coração”. É uma cegueira que aos poucos acorda (que enxerga a alma). De um esquecimento auto-protetor. E quando a pergunta do porquê da viagem, entende-se de uma vez que tudo está interligado e que nós somos meros joguetes sem livre arbítrio para decidir livremente sobre nossas escolhas mais primitivas e básicas.
No dicionário, visão significa “percepção do mundo exterior pelos órgãos da vista; sentido da vista; panorama; aparição; assombração”. Aqui, é o nome de um fungo de uma erva que “tem a incrível habilidade de dissipar a fraqueza, agonia e a dor humanas, liberando esporos sob condições especiais a cada mil anos”. O momento aproxima-se. A estrangeira sente. E conta a ele (o ator Masatoshi Nagase). “Quando a vida se desenvolve demais, começa a se destruir por vontade própria, então cada um precisa conseguir se virar na solidão”, complementa-se.
“Vision” também se apresenta como uma estética visual, como uma ambiência conceitual, por uma aparência pop arthouse. Conjuga-se a poesia da imagem com a organicidade filosófica do tema, lembrando a narrativa de Terrence Malick em “A Árvore da Vida” com “Fonte da Vida”, de Darren Aronofsky. É sensorial e ancestral ao despertar a mais pura essência do verdadeiro amor. O bucolismo de troca de tempos, em elipses e flash de memórias, cria uma repetição, e dessa forma potencializa simplório demais, querendo a cumplicidade do público para que vulnerabilidade e pieguices sejam aceitas incondicionalmente.
A história vai e volta, rodando em círculos, apelando à motivação máxima da característica japonesa de contemplar o tempo e equilibrar a energia com o controle do pensamento. Quanto mais a trama é revelada, mais embarcamos em uma viagem conceitual demais de encontros de tempos. De veados assassinados e bebê abandonado. Sim, é também delicado usar a simplicidade como fio condutor se a complexidade está explícita.
Talvez, “Vision” esteja entre mundos diferentes. Dividida. De um lado, a predileção pelo cinema pessoal e intimista. De outro, ter que apresentar uma obra mais palatável e condizente com as regras de um padronizado cinema independente. Que sai da caixa, mas não tanto. Que se prende e se aprisiona nos gatilhos comuns para sentir que faz parte. Que evoluiu. Que encontrou a maturidade Que agora pertence a um seleto grupo de cineastas referenciados. A essência está presente, porém engessada e podada a um resultado melodrama que surpreende na obviedade com ares de roupa de marca.