BERNARDO CANCELLA NABUCO nasceu em 15 de junho de 1982, no Rio de Janeiro. Trabalha como advogado e cineasta. Primeiro, obteve seu diploma em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. Depois disso, formou-se também em direção cinematográfica pelo Instituto Brasileiro de Audiovisual – IBAV (Escola de Cinema Darcy Ribeiro).
“URUTAU” é seu primeiro longa-metragem. E será apresentado na VII SEMANA DOS REALIZADORES 2015, no dia
19 de novembro, às 17h, no Espaço Itaú de Cinema, em Botafogo.
Por total “impedimento obrigatório”, de seu diretor, e com o consentimento do nosso site de que realmente a experiência de assistir na tela grande ganha disparada da do computador (mesmo que este link seja projetado na televisão), não vimos o filme antecipadamente.
Aceitamos, então, o desafio de entrevista-lo antes da exibição. Assim, nós, espectadores cinéfilos podemos “alimentar” a curiosidade e ansiedade com as respostas recebidas. Mas quem pensa que o Vertentes do Cinema “pegou” leve… Está enganado. Vamos ao que interessa!
VERTENTES DO CINEMA: Quando você foi mordido pela Cinema? Conte um pouco sobre seu começo e sua mudança de área (da Advocacia ao Cinema).
BERNARDO NABUCO: Ainda adolescente, por volta dos 18 anos, tive meu primeiro contato com os filmes de David Lynch. Na época, Mulholland Drive estreava nos cinemas e eu tive a oportunidade de assisti-lo na tela grande. Até então, só conhecia os blockbusters comerciais americanos. Entretanto, a partir daquela experiência, tudo mudou. Percebi que existia um outro tipo de cinema, mais sensorial, provocador, instigante. Através de Lynch, passei a me interessar por outras linguagens cinematográficas. Descobri o cinema de autor, sobretudo o europeu e o asiático. Minha vontade e curiosidade em acompanhar mostras e festivais de obras independentes aumentava exponencialmente. Desde então, tornei-me um cinéfilo obsessivo. Naturalmente, minha inquietação profissional, aliada à insatisfação com o burocrático mundo do Direito, fez nascer em mim o desejo de mergulhar de cabeça no Cinema.
VC: Quais referências cinematográficas você imprimiu em seu primeiro longa-metragem? O que você assiste e gosta?
BN: Após descobrir Lynch, passei a ter contato e interesse por outros realizadores. Nesse momento, o cinema do leste europeu, notadamente o romeno, destacava-se no cenário mundial. Depois de assistir a 4 meses, 3 semanas e 2 dias – do excepcional Cristian Mungiu – , tive certeza da linguagem que me seduzia. Um cinema cru, direto, forte, quase real. A partir dali, Cornelio Porumboiu, Radu Muntean e Cristi Puiu passaram também a ser referências para mim. Evidentemente, não posso deixar de também mencionar o mestre Michael Haneke, outra grande inspiração, com sua inatingível capacidade de incomodar e questionar.
VC: Como surgiu a ideia de URUTAU? Quanto tempo para ser realizado? Quanto custou?
BN: Antes de Urutau, já havia escrito um roteiro de outro longa metragem que também abordava a questão da pedofilia, mas sob outro ângulo. Contudo, devido aos custos de produção do projeto, tive que colocá-lo de lado por um momento e pensar em algo que fosse viável de ser filmado com poucos recursos. Nessa mesma época, chegou até mim o argumento de outra história – um curta metragem, na verdade – que, para minha surpresa, também tratava do tema pedofilia. Percebi, de imediato, que o material em questão tinha potencial para se transformar em um longa metragem de baixo orçamento. A partir de então, passei a ler livros especializados sobre o assunto e a conversar com psiquiatras e psicólogos, em busca de maiores informações. Pouco a pouco, fui desenvolvendo o roteiro, tornando-o viável de ser realizado. Para tanto, seria imprescindível adotar uma estética minimalista, com poucos atores e uma única locação. Foi um desafio e tanto, porém super gratificante.
Desde o desenvolvimento do roteiro até a finalização, o processo demorou cerca de dois e meio. Urutau é um projeto autoral e totalmente independente, rodado ao custo total de R$ 70 mil reais, sem qualquer apoio público ou privado. Todos os recursos investidos foram do meu próprio bolso.
VC: Você acha que o papel da crítica (totalmente subjetiva pelo próprio elemento intrínseco) atrapalha ou ajuda um filme a acontecer?
BN: Pergunta difícil. A crítica, por si só, é subjetiva. Duas pessoas podem ver o mesmo filme e terem opiniões completamente opostas. O mais importante é sempre existir o respeito mútuo, tanto da parte do crítico, quanto do realizador. Por outro lado, não se pode negar a importância da crítica especializada para o desenvolvimento do cinema. Gostemos ou não, grandes mestres da sétima arte foram, em sua origem, críticos. Saber escutar e ler pode ser sempre uma experiência enriquecedora para qualquer cineasta.
VC: Já tem planos para um segundo filme? Ou a experiência foi traumática?
BN: Pelo contrário. A experiência, apesar de exaustiva, foi incrível. Ao final do processo, me senti plenamente realizado. O filme foi feito da exata maneira como queria. Tudo o que penso sobre cinema, juntamente com minhas convicções e referências estilísticas, estão lá. O clima no set foi perfeito. Todos unidos em prol do resultado final e bastante dedicados. Faria tudo novamente. Não me arrependo de nada. Foi uma experiência de encontro comigo mesmo. De saber o que quero fazer pelo resto da vida.
Quanto ao novo projeto, tenho um outro roteiro que também trata de pedofilia – sob outro ângulo – já pronto para ser filmado. Além dele, começo a desenvolver novas ideias associadas à questão da anorexia.
VC: O que é cinema para você?
BN: Para mim, o cinema obrigatoriamente tem de ser questionador, transgressor. Um filme, qualquer que seja, necessita provocar reflexões, debate. De nada adianta entrar em um sessão de cinema e no dia seguinte sequer lembrarmos do que assistirmos. Um filme tem de perdurar em nossa memória por muito tempo, de preferência suscitando um questionamento interior, ainda que as sensações por ele causadas não sejam as mais agradáveis.
VERTENTES DO CINEMA: Obrigado! E Merda!